Aproximações e afastamentos: Portugal debate reconhecimento da Palestina há quase 15 anos
Portugal e outros países, como Reino Unido e França, deverão reconhecer formalmente o Estado da Palestina, nos próximos dias, no arranque da 80.ª sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. A decisão de dar este passo formal cabe ao Governo, liderado por Luís Montenegro (PSD/CDS-PP), depois de ter ouvido o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e os partidos com assento parlamentar.
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Nos últimos 15 anos, o parlamento português debateu e aprovou várias recomendações nesse sentido, mas sem que os sucessivos governos tenham avançado o processo de reconhecimento.
Na segunda-feira, a sede das Nações Unidas recebe uma conferência sobre a solução dos dois Estados, promovida por França e Arábia Saudita, que em julho já tinham patrocinado outro encontro, do qual saiu a Declaração de Nova Iorque, que relança a perspetiva de um Estado palestiniano. A 80.ª sessão da Assembleia-Geral da ONU começa na terça-feira, com o chefe de Estado português a intervir nesse mesmo dia, na sua última participação neste evento anual.
Eis os momentos mais importantes do processo de reconhecimento, pelas autoridades portuguesas do Estado palestiniano, nas últimas décadas.
2011
7 de janeiro: Bloco de Esquerda dá entrada no parlamento com um projeto de resolução a recomendar o reconhecimento do Estado da Palestina, tornando-se o primeiro partido político a fazê-lo. Nos dias seguintes, seguem-se-lhe PCP, Verdes e PS/PSD.
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11 de fevereiro: a Assembleia da República aprova a proposta do PS/PSD e rejeita as restantes.
23 de setembro: é aprovado um voto do PS de "congratulação" face ao curso das negociações israelo-palestinanas e reprovadas as recomendações ao Governo do Bloco de Esquerda e PCP.
2012
28 de novembro: o então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, escreve uma carta ao presidente palestiniano, Mahmud Abbas, afirmando que Portugal sempre apoiou a existência de um Estado palestiniano independente.
12 de dezembro: Pedro Passos Coelho recebe em Lisboa Abbas, que agradece o apoio português na elevação do estatuto da Palestina a Estado Observador Não Membro na ONU.
2014
31 de outubro: o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete (PSD/CDS-PP), afasta, "para já", a possibilidade de Portugal reconhecer oficialmente o Estado palestiniano, após a decisão nesse sentido da Suécia.
12 de dezembro: o parlamento aprova por maioria uma recomendação ao Governo proposta pelo PSD, CDS-PP e PS. Rui Machete diz que o Governo português "procurará escolher o momento mais adequado" para reconhecer o Estado da Palestina, como recomendou o parlamento.
2015
10 de fevereiro: Rui Machete considera que "ainda não existem condições" para que o Governo reconheça o Estado da Palestina, recordando que nenhum Estado-membro da União Europeia o tinha feito entretanto.
2016
10 de março: o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva (PS), defende que o reconhecimento do Estado da Palestina deve ocorrer no quadro da União Europeia.
12 de maio: o grupo de embaixadores dos países árabes em Lisboa manifesta a Marcelo Rebelo de Sousa a esperança de que durante o seu mandato Portugal reconheça o Estado da Palestina como independente e soberano.
20 de setembro: o presidente português pede, nas Nações Unidas, uma solução para o conflito israelo-palestiniano que consagre um Estado da Palestina soberano.
30 de novembro: o PCP questiona o Governo sobre o reconhecimento por Portugal, como recomendado pelo parlamento dois anos antes, considerando que tal deve acontecer "sem mais demoras" e sem depender da posição da União Europeia.
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2019
16 de abril: PCP desafia o Governo de António Costa a fazer o "reconhecimento imediato e pleno do Estado da Palestina, nas fronteiras de 1967 e tendo Jerusalém Oriental como capital, em conformidade com as resoluções das Nações Unidas e como recomendado pela Assembleia da República".
2023
27 de outubro: BE defende ser o momento de Portugal "reconhecer o Estado da Palestina e o direito do povo palestiniano a um Estado soberano e independente", quando já estava em curso a ofensiva israelita na Faixa de Gaza, após o ataque do Hamas, no dia 07.
30 de novembro: o então ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, visita Israel e Cisjordânia e defende que o reconhecimento do Estado da Palestina "é algo que deve acontecer", mas preferencialmente em coordenação com "alguns parceiros próximos" e num "momento com consequência para a paz".
19 de dezembro: a Assembleia da República rejeita recomendações do BE e do PCP, mas com muitos deputados do PS a votarem "desalinhados" da posição da sua da bancada.
21 de dezembro: o embaixador israelita em Lisboa afirma que não é o momento de discutir um Estado palestiniano nem um cessar-fogo em Gaza.
2024
11 de janeiro: o parlamento aprova por larga maioria uma recomendação ao Governo para que venha a reconhecer o Estado da Palestina, "em estreita articulação com parceiros próximos no âmbito da União Europeia".
22 de maio: o chefe da diplomacia diz que Portugal mantém a intenção, mas está a tentar obter o maior consenso possível dentro da União Europeia.
24 de maio: o Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente insta Portugal a reconhecer formalmente a Palestina, defendendo o apoio a "uma existência digna", dias antes de Espanha, Irlanda e Noruega anunciarem a sua decisão nesse sentido.
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28 de maio: o embaixador da Palestina em Lisboa, Nabil Abuznaid, afirma esperar que Portugal se junte em breve àqueles três países no reconhecimento da Palestina como Estado independente e soberano. Já o embaixador israelita em Portugal, Dor Shapira, considera "vergonhosa" a decisão e espera que Portugal "mantenha a posição" de reconhecer "no momento e com os intervenientes certos".
12 de junho: Bloco desafia o Governo PSD/CDS-PP a reconhecer o Estado da Palestina, insistindo que Portugal está a ser "cúmplice de um genocídio", com o PSD a recusar a utilização do tema como "propaganda política" com objetivo eleitoral.
18 de junho: Paulo Rangel defende que Portugal tem um "papel de mediação muito importante" no conflito em Gaza, nomeadamente junto do Governo israelita, e admite avançar com o reconhecimento do Estado palestiniano caso tal represente "um passo decisivo".
21 de junho: o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, realça que o reconhecimento imediato da Palestina "seria relativamente inconsequente".
28 de junho: representantes de dezenas de organizações e associações entregam uma carta aberta dirigida ao primeiro-ministro que pede o reconhecimento.
29 de novembro: PS entrega no parlamento um projeto que pede ao Governo português que reconheça de imediato o Estado da Palestina para dar "um sinal claro" à comunidade internacional da urgência da solução de dois Estados.
2025
30 de janeiro: manifestantes concentram-se em frente ao parlamento para reclamar o reconhecimento "urgente e imperativo" do Estado da Palestina pelo Governo português, enquanto os deputados debatiam iniciativas da esquerda nesse sentido. No debate parlamentar, o chefe da diplomacia portuguesa mantém que "não é oportuno" tomar tal decisão naquele momento.
31 de janeiro: o parlamento rejeita vários projetos de resolução relacionados com a Palestina, nomeadamente o reconhecimento pelo Governo português do Estado palestiniano.
4 de fevereiro: o ministro dos Negócios Estrangeiros considera que o reconhecimento do Estado da Palestina por Portugal "acontecerá, no momento certo", defendendo que israelitas e palestinianos devem cumprir o cessar-fogo e trabalhar "com espírito construtivo" para os dois Estados.
14 de fevereiro: mais de 30 personalidades de diversos setores apelam ao reconhecimento do Estado da Palestina pelo Governo português.
15 de fevereiro: a embaixadora da Palestina em Lisboa, Rawan Sulaiman, manifesta-se confiante que Portugal se juntará, em breve, aos países que reconhecem o Estado.
26 de maio: Rangel diz que Portugal mantém "sempre em avaliação" a possibilidade de reconhecer o Estado da Palestina, após participar, pela primeira vez, numa reunião do 'Grupo de Madrid', que pretende promover a solução dos dois Estados.
18 de junho: o primeiro-ministro, Luís Montenegro, admite que Portugal poderá reconhecer o Estado da Palestina mediante o cumprimento de condições como a capacitação da Autoridade Palestiniana e o desarmamento do Hamas, "com efeito útil" e à escala europeia. No mesmo dia, o embaixador de Israel em Portugal, Oren Rosenblat, afirma que um eventual reconhecimento seria um "triunfo para o terrorismo".
11 de julho: o parlamento português rejeita, com votos contra do PSD/CDS, Chega e IL todos as recomendações ao Governo.
29 de julho: Portugal defende nas Nações Unidas que a situação no Médio Oriente vive "um ponto de viragem", enaltecendo os compromissos assumidos pela Autoridade Palestiniana como "um novo passo" para a solução dos dois Estados.
30 de julho: Portugal admite reconhecer o Estado da Palestina e declara-se empenhado em trabalhar no "dia seguinte" em Gaza, numa declaração conjunta assinada no final da conferência sobre a solução dos dois Estados, nas Nações Unidas.
30 de agosto: o ministro dos Negócios Estrangeiros revela que o Governo já tinha consultado o presidente da República e iria começar a auscultar os partidos com representação parlamentar na semana seguinte, começando pelo Chega, IL e Livre.
12 de setembro: Marcelo Rebelo de Sousa considera prematuro pronunciar-se sobre o reconhecimento do Estado da Palestina, argumentando que o Governo está a conduzir um processo com vários países para se chegar a uma "posição comum".
15 de setembro: o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, diz não ter identificado qualquer obstáculo ao reconhecimento por Portugal e promete novidades para a semana seguinte.