Alterações nos estilos e conceções de vida das classes etárias mais baixas ditarão alterações no mercado, que irá sofrer grandes mudanças de paradigma a curto prazo. As gerações mais jovens querem mais flexibilidade na escolha de um lugar para morar e não estão na disposição de ficar agarradas a empréstimos de longa duração.
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O futuro está na juventude. A expressão é antiga, aplica-se em várias circunstâncias e explica muito do que será o setor imobiliário urbano no pós-pandemia na Europa. Serão os jovens a alterar paradigmas na forma como o mercado se vai movimentar nos próximos anos. E serão eles, consequentemente, a alterar as paisagens habitacionais das cidades, nomeadamente através da aposta cada vez mais forte no aluguer de casa.
"As novas gerações não querem ficar presas a um empréstimo bancário de longo prazo e irão preferir soluções de arrendamento que vão de encontro aos seus interesses. O mercado terá que lhes oferecer essa flexibilidade no futuro próximo", entende Fernando Ferreira, responsável pelo mercado de capitais da JLL em Portugal.
O curto prazo passará por um período de "escolhas individuais entre oportunidades de viver e trabalhar", assim como alterações nas "preferências de vida individual e familiar". E é aqui que os jovens entram com mais força e decisão. Porque "preferem viver nos principais centros urbanos", são o "grupo de inquilinos com mais significado no setor do aluguer de imóveis", têm um "desejo cada vez maior de estudar fora do local de origem" e apresentam-se como os "mais inclinados a morar sozinhos."
A natureza abrangente da atual crise irá influenciar profundamente os estilos de vida e as decisões financeiras dos jovens nos próximos anos
Estas conclusões fazem parte de um estudo internacional da JLL, consultora sediada em Chicago (Estados Unidos) e com operações em 80 países, que quis perceber as tendências que vão marcar a atividade imobiliária depois de o Mundo retomar a normalidade assim seja declarado que a covid-19 não constitui problema global, o que, segundo apontam os especialistas, deverá acontecer entre o último semestre deste ano e o primeiro semestre de 2022. O documento, intitulado "European City Dynamics 2", a que JN teve acesso, reforça que o impacto da pandemia no mercado imobiliário "será prolongado e complexo", realidade que cria "grandes desafios e oportunidades."
Para o analista Tom Colthorpe, autor do estudo, "a natureza abrangente da atual crise irá influenciar profundamente os estilos de vida e as decisões financeiras dos jovens nos próximos anos." A realidade passará por entender "as novas preferências de localização para as casas para arrendamento" e também por adequar ao mercado as "expectativas dos inquilinos em terem casas com layouts otimizados".
Um outro estudo recente, elaborado pelo Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia (UE), revelou a percentagem de jovens europeus com idades entre 25 e 34 anos que ainda vivem com os pais. A média situa-se nos 31%, com Portugal a ficar acima (46%) e a constituir-se como o sétimo país da Europa onde os filhos mais demoram a abandonar o lar parental. Por outro lado, é na Escandinávia (Dinamarca, Finlândia e Suécia) que tal percentagem é mais baixa.
Rendas com preços "altíssimos" empurram para a compra
Catarina Faísca tem 32 anos e encaixa no perfil médio traçado pela Eurostat e naquilo que as perspetivas de mercado da JLL sugerem: um leque de opções de arrendamento ainda não suficiente para uma procura tendencialmente em alta.
Catarina sempre viveu com os pais no centro de Braga. Mas para concretizar "o sonho" de morar sozinha teve que abdicar dessa localização privilegiada, devido aos "preços altíssimos" dos imóveis. Encontrou o apartamento ideal, "com um valor bastante justo", na freguesia de Real, a cinco minutos da cidade e, agora, só aguarda que as lojas abram para poder comprar tudo o que precisa para a mudança.
A jovem confessa que deixar a casa dos pais era um objetivo desde que completou os 30 anos. Mas as rendas altas atrasaram essa independência. "Dou-me muito bem com os meus pais, gosto de estar com eles, mas chegamos a uma certa idade que queremos procurar o nosso caminho. O ano passado comecei a ter ainda mais vontade de sair, mas não encontrava nada que gostasse, ou o que gostava era demasiado caro", recorda.
Em outubro, chegou a procurar imóveis para arrendar, mas ficou desmotivada com os preços. "No início de janeiro voltei a fazer uma procura, por curiosidade, e apareceu este apartamento", conta.
Perceber esta procura dos jovens, nomeadamente aquilo que querem da sua casa, deverá traduzir-se num crescimento de contratos de arrendamento
A designer de interiores avançou com a compra do imóvel, depois de ter percebido que no mercado de arrendamento não iria encontrar o que procurava. "As rendas estão altíssimas e percebi que valeria mais a pena comprar do que arrendar. Vou ficar com prestação à volta dos 260 euros mensais", elucida, assumindo que a ajuda dos pais foi importante para avançar com o sonho. "Se não fossem eles, tinha que esperar ainda mais tempo. A pandemia ajudou-me a fazer um bom pé-de-meia, mas, ainda assim, só para aceder ao crédito no banco, além da entrada inicial, ainda gastei quase quatro mil euros em taxas e impostos", lamenta.
Tal como milhões de jovens europeus, também Catarina Faísca procurou a independência individual e deparou-se com dificuldades nas buscas por soluções imobiliárias que melhor se adequassem às suas necessidades e ambições. Um dilema que a crise provocada pela pandemia aumentou e que terá que ser resolvido por um mercado em constante ebulição. "Perceber esta procura dos jovens residentes, nomeadamente aquilo que querem da sua casa, deverá traduzir-se num crescimento de contratos de arrendamento e de compras de imóveis que respondam a estas preferências", lembra Tom Colthorpe. O pós-pandemia dará as respostas.