Recebeu inspiração britânica, foi demolido, motivou polémica forte no Porto quando um jovem arquiteto o transformou no edifício que conhecemos hoje. Depois de anos de glória efémera, a degradação foi-se tornando companhia assídua sem remédio aparente. O futuro chama-se Super Bock Arena.
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Inspirado no Crystal Palace, megaestrutura de vidro construída em 1851 em pleno Hyde Park para a Grande Exposição Industrial de Londres, o Porto viu nascer, em 1865, um edifício fora das normas da época. O traço não enganava; era bem britânico, do arquiteto Thomas Dillen Jones. A inspiração do desenho e dos materiais também pouca margem deixava a dúvidas. O ferro e o aço, a que foram acrescentadas marcas do tão portuense granito, dominavam o enorme pavilhão, cujo nome também não precisou mais do que a tradução literal do original londrino: Palácio de Cristal.
Logo em 1865, o Palácio foi cenário principal da Exposição Internacional do Porto, marca de pujança de um país e de uma região recentemente entregues a um processo de industrialização. Vieram expositores do Mundo inteiro, sobretudo da Europa, mostrou-se o Portugal que se queria novo.
As exposições continuaram a ser prato forte do Palácio de Cristal nas décadas seguintes. Nunca nenhuma com a dimensão da que lhe marcou a inauguração, muitas de caráter local com o intuito de mostrar o que mais e melhor produzido nas fábricas da região, não fosse o proprietário do espaço a Associação Industrial Portuense (AIP).
De volta à pujança
Foi já no século XX que o Palácio, como passou a ser facilmente identificável pelos tripeiros, voltou a dar ares de pujança, quando acolheu a Exposição Colonial. Corria o ano de 1934, Salazar moldara pouco antes a Constituição ao Estado Novo, os territórios ultramarinos portugueses em África eram cobiçados por potências como a Grã-Bretanha ou a França e havia que demonstrar a força de um império fragilizado.
Por essa altura, já o Palácio de Cristal, entretanto adquirido pela Câmara do Porto à AIP, apresentava sinais que lhe viriam a sentenciar a morte. Os sinais de degradação começavam a mostrar-se, era difícil disfarçar a necessidade de obras profundas.
No final da década de 1940, a Autarquia começou a pensar em soluções. Foram ponderados trabalhos de requalificação, a solução, porém, foi mais radical ainda. Lucínio Presa, então presidente da Câmara do Porto, decidiu demolir o Palácio de Cristal e entregar a um jovem arquiteto de 25 anos, José Carlos Loureiro, o projeto para um pavilhão a erguer no mesmo local. Um autêntico terramoto na cidade.
Degaradação e medidas drásticas
"As pessoas são conservadoras por natureza e a ideia de substituir o velho Palácio de Cristal por uma construção nova foi algo que muita gente considerou um erro. Aliás, ainda hoje há quem pense assim", recorda José Carlos Loureiro, hoje com 93 anos. A alternativa, porém, era nenhuma. O estado de degradação do Palácio de Cristal obrigava a medidas drásticas. "O ferro estava desgastado, os vidros partidos ou estalados, a estrutura podre e enferrujada, entrava água. Enfim, uma desgraça", relembra.
Apesar da polémica, José Carlos Loureiro não se intimidou - "era um jovem cheio de ideias e de vontade de fazer coisas, se houve pressões passaram-me ao lado" - e planeou aquele que viria a ser batizado de Pavilhão dos Desportos. Radicalmente diferente do Palácio de Cristal, virado para o futuro e com novo conceito.
O novo pavilhão arrancou, em 1952, com um Mundial de Hóquei em Patins, desporto que arrastava multidões. Os anos e décadas seguintes trouxeram mais provas de desporto - inclusive novos campeonatos do Mundo de hóquei -, abrigo para feiras do livro, exposições, concertos de música. E uma mudança de nome, em 1991, para Pavilhão Rosa Mota, homenagem à campeã olímpica da maratona nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988.
Só que, à semelhança do anterior Palácio de Cristal, o Rosa Mota entrou numa espiral de problemas de manutenção. Se nos mandatos de Fernando Gomes à frente da Câmara do Porto foram sendo feitos pequenos trabalhos que pouco mais serviram do que remendos, nos de Rui Rio foi estudado um projeto profundo de recuperação que nunca viria a passar do papel.
A requalificação não terá qualquer encargo financeiro para a Câmara do Porto
Uma das prioridades anunciadas por Rui Moreira quando eleito pela primeira vez, em 2013, foi, precisamente, a reabilitação do Pavilhão Rosa Mota. Aventadas diversas possibilidades, vingou a concessão a privados, depois de um polémico concurso público que chegou a passar pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 2015.
"A concessão representa um encaixe para o município de quatro milhões de euros, mediante o pagamento de uma renda mensal de 20 mil euros, atualizada à taxa de inflação, pelo período de exploração", explicou a Câmara do Porto. "A requalificação não terá qualquer encargo financeiro para Autarquia", assegura.
O consórcio é constituído pela construtora Lucios, pela produtora de espetáculos PEV Entertainment e a consultora Oliveira Santos. A troco das obras financiadas pelo grupo, a Câmara do Porto cedeu a do espaço - incluindo a programação - nos próximos 20 anos. E autorizou nova designação: o Pavilhão Rosa Mota passará a ser designado Super Bock Arena.
"A marca Super Bock é uma empresa da região e a mim não me envergonha", disse Rui Moreira quando anunciou a nova denominação. Aquela que vai marcar a próxima vida - mais uma - daquele que o Porto nunca deixou de tratar como o velhinho "Palácio"