Cetamina já está a ser usada off-label como forma de combater a doença mental (e não só). Resultados são “muito promissores”, mas ainda há muita investigação por fazer, frisa a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.
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Se há umas décadas nos dissessem que se tentaria tratar a doença mental recorrendo à ingestão de psicadélicos, porventura julgaríamos estar perante um enredo de um qualquer filme de ficção científica. No entanto, este cenário é hoje verdade pura, as notícias sucedem-se, os estudos também, os espaços onde é possível recorrer a este tipo de solução são uma realidade. E ainda assim o tema continua a não ser pacífico. Diga-se, antes de mais, que a perceção acerca das potencialidades destas substâncias não é nova, mas o estigma a elas associado foi durante décadas um travão decisivo para a investigação. Ao ponto de só neste século os estudos terem começado a ganhar relevância. Com resultados muito interessantes, diga-se. Mas vamos ao início. O que são psicadélicos? Responde João Borges, assistente convidado na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e psiquiatra no Centro Hospital Universitário de São João, no Porto. “São um grupo de substâncias cujos efeitos subjetivos são dominados por alterações na perceção, na cognição, nos afetos e nas ideias sobre o próprio indivíduo.”
E neste grupo cabem tanto a psilocibina (a dos cogumelos mágicos) e a mescalina (encontrada em alguns catos da América do Sul), ambas “naturais”, como o LSD e a MDMA, sintetizados em laboratório. Há outros exemplos, note-se. Como a cetamina - ou ketamina -, sobre a qual nos debruçaremos particularmente. “É um fármaco anestésico que do ponto de vista da sua função não é igual aos psicadélicos clássicos, mas cujo efeito faz com que possa ser considerado como tal”, esclarece o docente da FMUP. Paula Valente, diretora do serviço de terapêuticas especiais e de inovação do Hospital de Magalhães Lemos, no Porto, acrescenta, a propósito, que a cetamina “é a substância psicadélica que tem vindo a reunir evidência científica de potencial terapêutico” no domínio da psiquiatria. Embora seja premente referir que estudos com outros psicadélicos, como a psilocibina ou a MDMA, também têm vindo a apresentar resultados auspiciosos.