Uma jovem de 16 anos com síndrome de Asperger fez das alterações climáticas uma luta capaz de mobilizar o Mundo. E aumentou a esperança para todos os adolescentes como ela.
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Em Portugal, estima-se, há 40 mil pessoas com autismo de nível 1 - a designação de Asperger caiu em 2013. Pela inabilidade social e interesses muito restritos, quase obsessivos, a grande maioria sofre de bullying.
O discurso zangado de Greta Thunberg é fácil de perceber para o neuropediatra Nuno Lobo Antunes. "Estes jovens têm um sentido de justiça muito vivo. E muito rígido. São capazes de se focar muitíssimo no seu tema de interesse. E isso explica a tenacidade da Greta".
João (nome fictício), do Porto, gostava de "ser bem- -sucedido como ela". Sente que a sua "vida não tem sido boa". Não é apaixonado pelo ambiente como a sueca, é mais dado à informática. Aos 13 anos, está a programar um jogo. É alto, pesa 90 quilogramas e, atrás dos óculos, pisca os olhos à velocidade com que fala.
Forte memória visual
A sua memória visual impressiona ao dizer as marcas dos carros que passam. Esteve em Paris e decorou as paragens do metro. "Aos dois anos, ele não falava. Chorava quando se cantava os parabéns, não lidava bem com o ruído", explica a mãe. O diagnóstico chegou aos quatro: síndrome de Asperger.
O pai lembra-se que João "aprendeu o abecedário e os números aos três, aos cinco sabia ler". Entrou no Conservatório de Música aos seis entre centenas de candidatos. Toca fagote. Mas não é feliz na escola.
Foi vítima de bullying no colégio. "Se fazem uma piada, levo a sério, não consigo distinguir. Insultavam-me e eu ripostava. Puseram-me de lado, eu era o lixo". Especialistas e associações unem-se ao dizer que as escolas não estão preparadas. Foi tão duro que João refugiou-se nos jogos online. É obcecado pelo mundo virtual, onde aprendeu inglês.
para eles é tudo literal
Em setembro, João mudou-se para a escola Filipa de Vilhena, no Porto, onde encontrou apoio. Está no 8.º ano, adora História, não é um aluno brilhante e tem dificuldade em socializar.
Uma característica comum, segundo Lobo Antunes, a todos os "aspies". "Tendem a entender tudo no sentido literal e são desajustados na interação, são o melga e são vítimas de troça, porque são ingénuos."
A psicóloga Sandra Pinho diz que a "adolescência é muito difícil". "Querem contacto social, mas são excluídos porque têm interesses diferentes". São tidos como génios, mas Lobo Antunes garante: "Há de tudo. Só que os mais mediáticos são aqueles que, pelo seu hiperfoco e capacidade de memória, fazem coisas extraordinárias". Como Bill Gates ou Albert Einstein.
Piedade Líbano Monteiro, presidente da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA), diz que "se os tentarmos perceber e forem bem conduzidos, têm grandes capacidades". O mais difícil é chegar à idade adulta. "Há falta de respostas. A empregabilidade dá muito trabalho e é preciso ajudar as empresas". É o que faz a APSA através do projeto Casa Grande, em Lisboa, ou a Cooperativa Focus, no Norte [ler ao lado].
"Na maioria dos países, não há apoio na transição para a vida ativa", diz Fernando Barbosa, da Focus, que desde 2017 integrou três jovens no mercado de trabalho. Há experiências bem-sucedidas na área de teste de software ou administrativa. "Têm dificuldade em conseguir trabalho porque não sabem qual o comportamento adequado. O ideal era que todos pudessem usar o seu interesse restrito. Sabem tudo e podem ser génios nessa área", explica a psicóloga Virgínia Conceição, da ELOS. Como Greta, que fez do ambiente uma forma de ativismo.