A ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável acusa Espanha de reter mais água nos rios Douro, Tejo e Guadiana do que é estabelecido na Convenção de Albufeira, o acordo celebrado entre os dois países para a gestão dos rios internacionais. Perante a situação de seca, tal como está previsto no acordo, Espanha invocou exceções em todos os rios, sendo os mais prejudicados o Douro e o Tejo. A Zero apela a ambos os governos que definam caudais ecológicos para se garantir a qualidade da água.
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Num comunicado enviado às redações, esta sexta-feira, a ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável diz ter avaliado os caudais dos três principais rios internacionais Douro, Tejo e Guadiana ao longo de um ano hidrológico e concluiu que Espanha reteve mais água do que é estabelecido.
Os resultados são relativos ao atual ano hidrológico - de 1 de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2022- e foram conseguidos com base em medições nas estações hidrométricas previstas na Convenção sobre a Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas e no Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos.
A ZERO alega que Espanha reteve mais água face à situação de seca extrema que atravessa, agravada pelas mudanças metereológicas e pela falta de precipitação durante o último ano, "uma consequência clara das alterações climáticas", afirma a associação. O maior uso da água armazenada por Espanha traduziu-se em baixos níveis de água nas albufeiras e baixos caudais, situação que, segundo a ZERO, seca os rios internacionais portugueses.
A Convenção de Albufeira - acordo celebrado entre Portugal e Espanha no ano 2000 - estabelece níveis dos caudais a serem respeitados em diferentes períodos: no rio Douro e Tejo é preciso assegurar caudais anuais, trimestrais e semanais; já no Guadiana estão previstos caudais anuais, trimestrais e diários.
O que diz a convenção?
O protocolo prevê que, em situações de seca, Espanha possa não entregar os caudais a Portugal, situação que a ZERO diz ser "expectável" e "um sinal do que será o futuro muito problemático da gestão de recursos hídricos, em particular nas bacias hidrográficas internacionais".
Espanha declarou precisar do regime exceção no caso dos rios Douro e Guadiana para o caudal anual, e do Tejo para o terceiro caudal trimestral, de abril a junho de 2022. Porém, os resultados da ZERO mostram que Espanha reteve mais água para além dos caudais referidos, sendo expectável não cumprir os volumes estabelecidos.
Zoom aos rios
O rio Douro é o mais prejudicado com um terço do volume de água em falta. Com base na avaliação dos caudais na Barragem de Miranda, a ZERO confirmou que foram cumpridos os caudais semanais e trimestrais, mas, caso não tivesse alegado o regime de exceção, Espanha "estaria muito longe" de devolver os cerca de 67% retirados ao caudal anual.
A ZERO diz que, face aos reduzidos aumentos semanais do caudal e à situação meteorológica, "é obviamente impossível perfazer o volume de água em falta".
No caso do Tejo, apesar do governo espanhol ter previsto apenas regime de exceção para o caudal trimestral de abril a junho de 2022, a ZERO nota também um incumprimento do caudal anual, faltando cerca de 15% do volume de água estabelecido. Para Espanha poder retirar esse valor, a ZERO afirma ser necessário um caudal diário superior ao atual, "valor que não é atingido desde o final de julho".
A ZERO alerta para o "esvaziamento de albufeiras no troço internacional do Tejo", situação que pode ter "consequências dramáticas". E relembra o que aconteceu no Rio Pônsul em 2019 - ano em que o nível de água do afluente do Tejo desceu mais de dez metros. No caso dos volumes anuais, acredita que resta a Espanha invocar o regime de exceção.
Apesar da enorme capacidade de reserva de água da albufeira de Alqueva, a associação portuguesa mostra-se preocupada com o risco de falta de água para a expansão do regadio e adivinha mais restrições devido às situações de seca mais frequentes e extremas.
No caso do rio Guadiana, Espanha retirou 17% do volume de água no início de setembro de 2022, valor aquém do mínimo anual estabelecido no protocolo quando não existe regime de exceção. A ZERO denuncia que, durante 20 dias, Espanha não garantiu o caudal mínimo diário estabelecido no protocolo.
Altura certa para conversar
Face a estes resultados, a ZERO admite existir falta de conformidade entre Portugal e Espanha. Defende que esta avaliação deve ajudar os governos a alinhar um plano de gestão das bacias hidrográficas "que estabeleça verdadeiros caudais ecológicos capazes de assegurar a conservação e funcionamento dos ecossistemas e alinhados com a necessidade de garantir o bom estado ecológico das massas de água", objetivos impostos, desde 2000, pela Diretiva Quadro da Água (DQA) - instrumento da política da União Europeia relativa à água, com um quadro de ação comunitária para a proteção das águas de superfície interiores, de transição, costeiras e subterrâneas.
A associação de defesa dos valores da sustentabilidade lembra ainda que, de momento, encontram-se em discussão pública os Planos de Gestão de Região Hidrográfica para o período de 2022-2027, considerando que "esta é a altura certa para uma concertação entre os dois países".