<p>Não será necessário recuar no tempo. Basta referir os textos de 2009 no blogue de José Saramago.</p>
Corpo do artigo
Sobre o Corpo de Deus, José Saramago, afoitamente, admitia que a temática religiosa, quando a aborda, é "para fáceis heresias, como costumam ser as minhas, segundo canónicas e abalizadas opiniões". Por isso, afirma autoritariamente: "Diz-se que todos somos filhos de Deus. Não é verdade, mas com esta falsidade se consolam muitos".
São considerações de adolescente serôdio, a quem a cultura religiosa ficou tão curta como a roupa da sua infância. Saramago tem objecções típicas de um adolescente retardado que supostamente cresceu na cultura mas ficou infantilizado em religião!
Quanto ao laicismo, defende que a questão fundamental é "crer ou não crer na existência de um deus que, não só terá criado o universo e portanto a espécie humana, como virá a ser, no fim dos tempos, o juiz dos nossos cometimentos na terra, premiando as boas acções com a admissão num paraíso em que os eleitos contemplarão a face do Senhor durante toda a eternidade, enquanto, também por toda a eternidade, os culpados de acções más arderão no inextinguível fogo do inferno". Di-lo de forma lapidar como quem tem todas as certezas sobre o ateísmo, tantas que nem sequer respeita a tradição jornalística e literária portuguesa de escrever Deus com maiúscula!
Ainda mais dogmaticamente: "Discute-se o laicismo porque, no fundo, se teme discutir o ateísmo". Nesta linha, uma conclusão da sua cabeça iluminada: "O interessante do caso, porém, é que a Igreja Católica, na sua velha tradição de fazer o mal e a caramunha, anda por aí a queixar-se de ser vítima de um suposto laicismo 'agressivo', nova categoria que lhe permite insurgir-se contra o todo fingindo atacar apenas a parte". Nem mais nem menos: "Seria de agradecer que a Igreja Católica Apostólica Romana deixasse de meter-se naquilo que não lhe diz respeito, isto é, a vida civil e a vida privada das pessoas". Como ficaria feliz se a Igreja se calasse!
Nem Nuno Álvares Pereira lhe escapa, zombando do milagre que lhe atribuíram para o canonizar. Dói-lhe que Nuno de Santa Maria tenha sido "um homem rico, riquíssimo". Pois!
No seu elogio aos ateus, tem uma declaração entusiasta: "o planeta seria muito mais pacífico se todos fôssemos ateus".
Lembro-me que, em 18 de Maio de 2004, também os jornalistas portugueses que fizeram reportagem da assinatura da Concordata entre a Santa Sé e Portugal cantaram os parabéns, no Vaticano, ao Papa João Paulo II, que, já muito débil, celebrava os seus 84 anos. Foi uma das minhas últimas reportagens no estrangeiro como jornalista prestes a reformar-se. Até hoje, incompreensivelmente, essa Concordata ainda não entrou em vigor. Não admira que o presidente da República, Cavaco Silva, interpelado pelo arcebispo de Braga e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, tenha dito, na passada quinta-feira, na Cidade dos Arcebispos, que as questões pendentes na Concordata entre o Estado e a Igreja devem ser "resolvidas a muito breve prazo". Lembrou que a Concordata já foi assinada num Governo anterior e com outro primeiro-ministro, Durão Barroso, frisando que "falta solucionar não apenas os problemas do domínio do património mas também os da assistência religiosa, nas forças armadas e nos hospitais". Cavaco Silva já falou disso com o Papa Bento XVI, em 2008, em Roma, e com as autoridades políticas adequadas. Tem razão quando diz: "Esperemos que tenham evolução positiva e não daqui a muito tempo". É um imperativo diplomático. Não dá para adiar muito mais, sob pena de o Estado português não poder ser tido como pessoa de bem.
Cardeais, bispos e Papa acusados de hipocrisia
Saramago desanca em cardeais, bispos e até no Papa. Acusa a todos de hipocrisia, criticando que vivam como "parasitas da sociedade civil". Rende sentida vassalagem a Rodríguez Zapatero e declara nervosamente a sua admiração: "como pessoa, como intelectual, como cidadão, ofende-me a displicência com que o papa e a sua gente tratam o governo de Rodriguez Zapatero, esse que o povo espanhol elegeu com inteira consciência. Pelos vistos, parece que alguém terá de atirar um sapato a um desses cardeais".