Das cirurgias aos tratamentos de medicina estética, como a aplicação de botox ou ácido hialurónico, são cada vez mais os procedimentos realizados por profissionais não habilitados em centros ilegais. A Ordem dos Médicos fala num "flagelo" que cresce à boleia da Internet. As denúncias não param de crescer.
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Ana (nome fictício) deu entrada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com uma infeção muito grave no abdómen, provocada por uma bactéria desconhecida, após ter ido à Turquia fazer uma cirurgia plástica. No mesmo serviço, outra mulher foi operada, no mês passado, depois de complicações resultantes de um tratamento no rosto feito num espaço ilegal. Seja por cirurgias plásticas ou procedimentos estéticos menos invasivos, como a aplicação de toxina botulínica (botox) ou ácido hialurónico, os hospitais públicos e as clínicas privadas recebem cada vez mais pedidos de ajuda de pacientes cujas experiências correram mal.
Através de anúncios nas redes sociais e à boleia do aumento da procura, sobretudo entre os jovens, há cada vez mais centros ilegais com profissionais não habilitados, um “flagelo” que a Ordem dos Médicos (OM) encara com “grande preocupação”. As queixas não param de crescer. Entre 2022 e 2024, foram denunciados à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) 319 estabelecimentos, decorrentes de um processo de monitorização criado para o efeito. Nos últimos dois anos, 14 foram suspensos.
Vergonha em denunciar
“Chegam-nos relatos quase todos os dias, mas não no número que poderiam chegar porque as pessoas têm vergonha de serem criticadas por terem ido a sítios que não deviam”, aponta Ângelo Rebelo, diretor clínico da Clínica Milénio, alertando para um problema “muito sério” que pode comprometer, “de forma irremediável”, a integridade física das pessoas. Também Tiago Baptista Fernandes, diretor clínico da Up Clinic, constata que “o número de complicações com consequências sérias para a saúde”, desde necroses a AVC, “tem vindo a subir em catadupa”, devido à oferta pouco fidedigna publicitada online. “Acaba por ser extraordinariamente frequente”.
Ainda que o problema exista na cirurgia plástica, é mais frequente na medicina estética, já que “os procedimentos de medicina estética são menos invasivos e mais fáceis de ensinar”. Ao JN, Miguel de Andrade, presidente do colégio da especialidade de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética, explica que o problema mais frequente está relacionado com preenchimentos faciais (“fillers”), onde muitas vezes é injetado um produto não autorizado, até comprado na Internet, por cabeleireiros ou esteticistas.
“Nas redes sociais, a divulgação é feita como se fosse algo simples, banal e sem problema nenhum. Isto leva a descalabros brutais”. O também diretor de serviço de Cirurgia Plástica do Santa Maria reforça que qualquer tratamento de medicina estética é um ato médico, o que pressupõe “uma avaliação, um diagnóstico e um tratamento proposto por um médico”.
Mais fiscalização
Na mesma linha da OM, Diogo Figueiredo, da direção da Sociedade Portuguesa de Medicina Estética (SPME), afirma que o organismo tem recebido mais reclamações (só em 2023 foram 177) e defende o reforço da fiscalização, mais campanhas de sensibilização e uma maior articulação entre as entidades reguladoras para punir os infratores.
Nos últimos dois anos, a ERS efetuou 122 ações de fiscalização a estabelecimentos ligados à estética e, até abril deste ano, realizou 24. A reguladora, a quem compete supervisionar a atividade de todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, sublinha que os espaços são obrigados a ter certidão de registo emitida pela ERS, licença de funcionamento para as tipologias exercidas e livro de reclamações.