Autarca teme represálias por câmaras terem ultrapassado competências na pandemia

Manuel Machado, presidente da Câmara de Coimbra e presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses
Maria João Gala /Global Imagens
Manuel Machado, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), assume que algumas câmaras ultrapassaram as suas competências, para ajudar no combate inicial à pandemia, e pede aos colegas que "não se esqueçam do que aconteceu em Pedrógrão Grande", onde " maior parte dos autarcas está a ser perseguida".
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"Devemos estar de atalaia", alertou o autarca esta sexta-feira, na Conferência JN "Aveiro no Centro da resposta à pandemia", que decorreu no Centro de Congressos de Aveiro. "Neste tempo excecional, as autarquias tiveram capacidade de resposta, no que estava na lei e no que estava acima da lei. Faço um apelo aos meus pares, para que não se esqueçam do que aconteceu aos nossos pares de Pedrógão, que no limite da tragédia e da angústia fizeram tudo quanto lhes cabia fazer, com seriedade, e passada a fase de emoção estão a ser perseguidos, a maior parte deles", alertou Manuel Machado.
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O também presidente da Câmara de Coimbra frisou, ainda, que "não é aceitável, quando estão a ser dados passos para dar respostas às questões da comunidade, que por dá cá aquela palha se ponha em causa a idoneidade dos autarcas. Não pode ser", lamentou.
Na mesma conferência, Salvador Malheiro, presidente da Câmara de Ovar e vice-presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro, garantiu que "se não tivessem sido os autarcas, em todo o país, independentemente da cor político-partidária, a assumir competências que não são suas", não sabe "o que seria do país".
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"Todos assumimos competências no âmbito da saúde, da segurança social e da proteção civil, entre outras. Mas não podemos continuar a estar com o mesmo nível de solidariedade, quando somos confrontados com taxas para pagar, relativamente a hospitais de campanha que instalámos. Está errado", afirmou Malheiro, tecendo críticas à atuação do Governo.
Decentralização
É pela alegada falta de poderes que lhe estão atribuídos que os autarcas presentes na conferência defenderam a necessidade, "urgente", da descentralização. O tema esteve em cima da mesa, durante a tarde, com António Leitão Amaro, ex-secretário de Estado da Administração Local, a sublinhar que "Portugal é dos países estatisticamente mais centralistas do mundo ocidental e do mundo desenvolvido".
"Tem crescido no centralismo e perdido, a nível europeu, em riqueza e em produtividade. Um país mais centralista é menos dinâmico e mais pobre e não consegue acompanhar os outros, porque o poder está mais concentrado", advertiu Leitão Amaro.
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Com um processo de descentralização de competências, entre a Administração Central e as autarquias, em curso, os autarcas têm reparos a fazer. "O processo demorou muito tempo, não foi bem planeado, não teve as devidas referências temporais e ficou muito aquém das nossas expectativas. O que queríamos e queremos é uma verdadeira delegação de competências", reiterou Salvador Malheiro, frisando que, "apesar de o Governo demonstrar essa vontade, temos uma máquina do Estado que é contra tudo isto".
Manuel Machado partilha da opinião de que "existe uma espécie de resistência à mudança, (...) um poderio absolutamente injustificado e improdutivo". "O processo de descentralização abanou isso. Não está concluído, não está perfeito, mas tudo indica que conseguiremos aumentar a rentabilidade social do nosso trabalho como autarcas e melhorar a resposta que é preciso dar", deixou claro. Até porque, no seu entender, "a descentralização é a oportunidade da reforma profunda do Estado português, depois do 25 de abril".
