Maioria só ouviu falar do projeto da REN rejeitado em 2018. Ambientalistas criticam aposta contínua em energia fóssil.
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Os autarcas de Trás-os-Montes e da Guarda exigem conhecer o novo projeto de gasoduto ibérico, acordado entre Portugal, Espanha e França este mês, para saber se vai passar pelos seus territórios. Em 2018, o traçado de uma terceira interligação energética transfronteiriça, proposto pela Redes Energéticas Nacionais (REN) e chumbado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), visava municípios das duas regiões. Com o anúncio do "Corredor de Energia Verde", os presidentes de câmara pedem mais esclarecimentos.
"Tivemos uma abordagem, há uns meses, por parte da REN, mas, depois disso, não tivemos mais informação. Obviamente somos parte interessada", apontou Carlos Ascensão, presidente da Câmara de Celorico da Beira. A vila da Guarda era tida no projeto chumbado pela APA como a entrada em Portugal da terceira interligação transfronteiriça de gás. Celorico da Beira voltou a ser mencionado nas últimas semanas, após o anúncio do entendimento.
"Perante as notícias, estou a tentar esclarecer melhor e saber mais sobre esta situação", acrescentou o autarca ao JN. O mesmo diz Jorge Fidalgo, presidente da Câmara de Vimioso, onde se localiza Vale de Frades que era o ponto final do gasoduto em Portugal. "A câmara ainda não foi informada de nada sobre o novo traçado do gasoduto. Nem recebemos qualquer documentação até à data, mas teremos que ser informados. Só sei do traçado chumbado há uns anos, que era um projeto da REN".
O primeiro-ministro, António Costa, admitiu, à saída de uma reunião do Conselho Europeu, que o desenho da terceira interligação transfronteiriça de gás iria ser "novo, porque o anterior foi chumbado". Já o ministro do Ambiente afirmou que "Portugal não mudou o projeto", mas melhorou-o para "poder ter uma declaração de impacte ambiental aprovada". Nem o Ministério do Ambiente nem a APA adiantam informação ao JN.
Oposição contesta
Os autarcas de Bragança, Macedo de Cavaleiros, Alfândega da Fé e Foz Côa, os municípios por onde o anterior projeto do terceiro gasoduto passava, também não sabem se serão abrangidos. A maioria conhece o projeto antigo da REN, o que foi chumbado, mas nada sabe sobre a solução atual.
Os partidos da Oposição contestam o acordo para o novo gasoduto, acusando o Governo de falta de esclarecimentos sobre o processo e de ceder aos interesses de França, que durante anos contestou a passagem de um corredor energético pelos Pirenéus. O PSD pediu um debate de urgência com António Costa, que só ocorrerá após 25 de novembro. Os responsáveis dos três países voltam a reunir em dezembro, em Alicante.
Para os ambientalistas, o novo gasoduto não faz sentido. "Não percebemos o modelo económico, quando a tendência é abandonar o uso de gás", adianta Francisco Ferreira, presidente da Zero. Mesmo que o transporte de hidrogénio verde aconteça no futuro, "não se sabe se teremos produção suficiente", disse. Também Marta Leandro, vice-presidente da Quercus, diz ser "incompreensível" que a solução para o problema da dependência energética continue a ser a "aposta nos combustíveis fósseis".
A FAVOR E CONTRA
Independência
Um dos argumentos usados a favor da construção do terceiro gasoduto ibérico é a de que diminuirá a dependência energética do gás russo e assegurará a autonomia da Europa. O futuro corredor de energia verde poderá ter impacto na descarbonização, ao transportar hidrogénio verde no futuro.
Impasse resolvido
O novo acordo, estabelecido por Portugal, Espanha e França, ultrapassa o impasse de anos com o projeto MidCat, cujo gasoduto passaria pelos Pirenéus e com o qual França nunca concordou. Agora, o gasoduto terá uma via marítima entre Barcelona e Marselha (BarMar), no qual há consenso.
Protagonismo
Há quem argumente que Portugal, nomeadamente o Porto de Sines, ficam a perder, já que a principal ligação parece estabelecer-se entre Barcelona e Marselha. Tal não aconteceria se se mantivessem as interligações elétricas através dos Pirenéus, apontou o PSD. O ministro do Ambiente rejeitou a crítica.
Dúvidas técnicas
O gasoduto ibérico deverá transportar hidrogénio verde, mas não se sabe quando. Vários especialistas defendem que os tubos do gasoduto terão de ser readaptados, sendo impossível servir dois tipos de produção diferentes (gás e hidrogénio). Os ambientalistas criticam que se continue a apostar em combustíveis fósseis.
APREN: ajuda à descarbonização
Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), diz que o gasoduto está enquadrado no "caminho de descarbonização" da Europa, sendo o gás natural uma solução de "transição" para reforçar o potencial energético.