O processo de descentralização de competências está a colocar "uma corda ao pescoço" dos municípios. Essa é, pelo menos, a visão dos presidentes das Câmaras da Figueira da Foz, de Ílhavo, de Manteigas e do Porto - todos eleitos através de movimentos independentes -, que participaram este sábado à tarde, em Ílhavo, nas Jornadas Municipais, iniciativa organizada pelo movimento ilhavense "Unir para Fazer". Numa coisa, os quatro autarcas foram unânimes: falta "envelope financeiro" para concretizar o processo de descentralização.
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"Os municípios estão a ficar atrofiados neste cocktail explosivo a que estamos a assistir. Descentralização e regionalização, sim. Mas não da forma como está a ser feito agora, que é uma corda no pescoço de muitos municípios", deixou claro Flávio Massano, presidente da Câmara Municipal de Manteigas. O autarca, que é um dos mais jovens presidentes eleitos por um movimento independente, a nível nacional, disse, ainda, que os autarcas vão passar a ser "autênticos gestores correntes, que nada podem fazer pela sua população". E que as Câmaras "ficam com aquilo que o Estado já não quer gerir", quando "muitos municípios não têm capacidade ou recursos financeiros para tal".
João Campolargo, presidente da Câmara de Ílhavo, também garante que "isto [a descentralização] sem envelope financeiro não se faz". "Nós precisamos de mais dinheiro, porque não vamos conseguir comportar aquilo que vão ser as exigências dos cidadãos. Sinto que estamos no limite", explicou o autarca.
"É um dilema", diz Santana Lopes
Apesar de também considerar que "a questão financeira é tramada", Pedro Santana Lopes, presidente da Câmara da Figueira da Foz, garantiu que vai aceitar todas as competências que lhe forem transferidas. "Tenho medo de dizer que não quero competências, porque não aguento mais ver a população à espera", sublinhou o antigo primeiro-ministro, apelidando, contudo, o processo de "perverso" e de "anedota". "É um dilema. Se não aceito, não tenho capacidade nenhuma de intervenção. É só para tratar da limpeza dos centros de saúde? É. Mas assim já estamos com um pé dentro de uma área que é só deles [do Governo]", justificou Santana Lopes.
Por seu turno, Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, também se mostrou a favor da descentralização e da regionalização, mas "com a certeza que vai ser dado poder aos municípios". "Não quero uma regionalização administrativa e que passem para nós os custos da sua incompetência", afiançou.
Apelo à ANMP
Apesar de mais nenhum autarca presente nas Jornadas Municipais ter mostrado intenção de seguir os passos de Rui Moreira - que já anunciou que pretende sair da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), decisão a ser levada à Assembleia Municipal do Porto na segunda-feira -, todos apelaram a que a associação que os representa defenda as câmaras, independentemente de a maioria das autarquias ser gerida pelo Partido Socialista, partido que está no Governo. "Precisamos de uma ANMP que defenda o presidente de Câmara e as populações, pois nos nossos territórios somos nós que temos maior legitimidade", apelou Flávio Massano.
Sem criticar a decisão de Rui Moreira, porque "cada cidade tem as suas guerras", Santana Lopes frisou que "sozinhos valemos pouco, mesmo o Porto ou Lisboa". "Se temos uma Associação Nacional de Municípios, eu apoio", garantiu Santana, deixando a ressalva, no entanto, que os municípios "precisam de alguém que os represente a sério".
"Eu tenho um certo medo do que aí vem. Quem é que vai decidir na nossa terra? Precisamos como o pão para a boca de alguém que nos represente a sério. Eu não quero é que os municípios vão perder mais poder para as regiões ainda do que também tem para o estado central", disse.