O financiamento da descentralização de competências não foi suficiente para, em 2022, os municípios custearem os novos encargos. Uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) revelou que as principais falhas no cálculo dos valores verificaram-se na Educação. O tribunal recomenda que a lei seja revista.
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Apesar de ter existido um reforço das verbas no ano passado, em 2022, as verbas atribuídas aos municípios com vista à descentralização de competências não foram suficientes face ao acréscimo de despesa, em grande parte relacionada com encargos com o pessoal e a aquisição de bens. "O financiamento das competências descentralizadas não foi suficiente face ao acréscimo de despesa em que os municípios incorreram com o seu exercício", divulgou, esta segunda-feira, o TdC.
A observação consta de um novo relatório do TdC, divulgado esta segunda-feira, com base numa auditoria para apurar como foi executado, entre o ano de 2019 e setembro de 2022, o processo de autonomia do poder local, na sequência da lei-quadro de 2018 que transfere competêcias de áreas como educação, ação social e saúde para as autarquias locais e entidades intermunicipais. O relatório teve por base uma análise a seis municípios do território continental: foi desenvolvido trabalho de campo nas instalações dos municípios de Guimarães, Marinha Grande, Amadora e Coimbra; e, de forma remota, testes e procedimentos de auditoria junto dos municípios de Albufeira e Mértola.
Ainda assim, e apesar do défice de transferências financeiras, o tribunal repara que as contas dos municípios não apresentaram "sinais de desequilíbrio orçamental e financeiro", em grande parte devido às suas receitas próprias, desde logo fiscais relacionadas com as transações imobiliárias.
Fórmulas de cálculo das verbas não são claras
Além disso, o TdC nota que as normas que definem o modelo de financiamento não são suficientemente claras, dificultando a sua aplicação, bem como situações em que os critérios de cálculo dos valores não foram respeitados. O órgão de fiscalização observa essas falhas no que toca às competências das autarquias no setor da Educação - que, na sequência da nova legislação foram alargadas aos 2º e 3º ciclos e secundário -, apontando que o apuramento desses valores acabou por resultar de portarias posteriores à data em que as mudanças entraram em funcionamento.
"Os critérios de apuramento das verbas financeiras necessárias ao exercício das competências descentralizadas no domínio da Educação não estão definidos, no respetivo diploma setorial, de forma clara, direta e transparente", conclui.
O órgão dá como exemplo o caso do financiamento para o equipamento de escolas e residências escolares, que acabou por seguir a despesa executada pelas escolas no ano de 2018, ou para os transportes escolares, que não foi incluido no Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD), ficando por cumprir o previsto na legislação.
"Existem evidências de que em 2022, designadamente na área educativa, o processo de descentralização não promoveu a simplificação administrativa nem conseguiu libertar as escolas de tarefas de índole administrativa e financeira que retiram tempo e recursos às matérias curriculares e pedagógicas", resume.
Nesse ano, a descentralização foi financiada num total de 1050,5 milhões de euros, dos quais 857,4 milhões fixados pela legislação - através do Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD) - e 193,1 milhões de verbas inscritas no Fundo Social Municipal (FSM).
O tribunal critica ainda o facto de a Comissão de Acompanhamento da Descentralização "pouco ou nada" se ter pronunciado acerca da adequabilidade das verbas a cada área de competências, "tendo também sido comprovado que não dispôs de informação detalhada para desenvolver essa missão".
De forma geral, o TdC atenta várias "fragilidades" na implementação desta reforma do Estado, em especial em termos de "estabilidade" e "transparência" do financiamento. O órgão aponta desde logo como uma das dificuldades o facto de não existirem mecanismos que permitam aos municípios analisar e perceber os montantes das transferências financeiras relacionadas com as competências descentralizadas, sendo que "também do lado de alguns municípios se constataram limitações próprias em organizar e reportar informação", pode ler-se no documento.
Face as estas dificuldades, não foi possível determinar o custo e os rendimentos da descentralização, o que "impossibilita aferir da eficácia e eficiência na gestão dos recursos públicos descentralizados e, portanto, efetuar uma avaliação de desempenho", sublinha o TdC.
Quanto ao funcionamento do modelo, a auditoria concluiu que nesse ano, e em boa parte de 2023, a descentralização não foi alvo de uma monitorização permanente e global dos recursos financeiros envolvidos, nem enquanto serviço público prestado como prevê a legislação. O TdC aponta ainda a necessidade de se simplificar as tarefas administrativas e falhas na coordenação entre a administração central e municípos, resultando num fraco acompanhamento destas alterações.
Recomenda rever regras de financiamento
Perante os resultados, o tribunal recomenda ao Parlamento e ao Governo que sejam revistas as regras da Lei das Finanças Locais (LFL) que determinam o financiamento, prevendo mecanismos que tenham em atenção a heterogeneidade dos municípios e em linha com os objetivos de coesão territorial.
O TdC aconselha ainda que sejam encontradas soluções para reduzir a carga burocrática e prestar "informação financeira tempestiva, completa e fiável". Por outro lado, verifica também a necessidade de "melhorar a transparência" no apuramento das transferências do FFD.
Aos municípios, o órgão surgere que divulguem a informação financeira relacionada com estas mudanças, bem como que passem a analisar o impacto da descentralização nas contas municipais nos respetivos relatórios de gestão.