Tendência de descida desde 2013 inverteu-se em 2020 e 2021, mas pode estar relacionada com a covid-19. Recurso às "bombas atómicas" para debelar infeções aumentou e preocupa.
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Os alarmes voltaram a soar: o consumo de antibióticos nos hospitais aumentou em 2020 e 2021, invertendo uma tendência de descida que se registava desde 2013 e contrariando o que aconteceu na Europa no mesmo período. O recurso a carbapenemes - as chamadas "bombas atómicas" contra as infeções - também cresceu e causa especial preocupação porque este tipo de antibióticos, de largo espetro, tem maior capacidade de induzir resistências nas bactérias. Refira-se que as bactérias resistentes aos antibióticos mataram mais de 35 mil pessoas por ano na Europa, entre 2016 e 2020.
A situação está longe da observada em 2011, quando Portugal figurava entre os piores países da Europa no consumo de antibióticos na comunidade (comprados na farmácia) e a nível hospitalar. Ainda assim, a inversão da tendência nos hospitais nos anos pandémicos preocupa. Em 2021, o consumo de antibióticos em meio hospitalar foi de 1,54 doses diárias por mil habitantes, acima das 1,45 doses de 2020 e das 1,40 alcançadas em 2018 e 2019. E também acima da média europeia (1,41 doses em 2021), segundo dados divulgados ontem pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças.
Há uma explicação relacionada com a covid-19, mas "é preciso perceber se estamos perante uma situação transitória ou se há outros determinantes", afirmou, ao JN, José Artur Paiva, diretor nacional do Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA), da Direção-Geral da Saúde.
A relação com a pandemia explica-se, sobretudo, pelo uso de imunossupressores e corticóides em doentes graves internados com covid-19. Ao tomarem aqueles fármacos, os doentes muito debilitados ficam ainda mais vulneráveis a infeções. Hoje assinala-se o Dia Europeu do Antibiótico, uma oportunidade também para comparar resultados com outros países. "Na Europa, o consumo hospitalar global de antibióticos não aumentou, mas o de carbapenemes sim", nota José Artur Paiva.
Sobre o consumo de antibióticos na comunidade, a pandemia teve efeito contrário em Portugal. Devido aos confinamentos e ao uso de máscaras houve uma "redução acentuada" da dispensa nas farmácias em 2020 e 2021. "Estamos agora abaixo da média europeia", realçou o diretor do PPCIRA. Mesmo entre os antibióticos que suscitam maior preocupação (grupo das quinolonas) houve uma redução de 69% entre 2011 e 2021, o que coloca Portugal na média dos países europeus, salientou.
Consumo global diminuiu
Tendo em conta que o consumo de antibióticos a nível hospitalar representa 15% do total, em termos globais, Portugal continua a registar uma redução do uso destes fármacos, acrescenta.
O uso inadequado de antibióticos provoca resistências nas bactérias que, desta forma, se tornam mais difíceis de tratar. Embora Portugal tenha reduzido significativamente as taxas de resistência nas principais bactérias, há uma exceção: a Klebsiella Pneumoniae resistente aos carbapenemes. Em 2013, esta bactéria representava apenas 2% das infeções hospitalares e em 2021 atingiu os 12%.
AO DETALHE
Infeções por bactérias
Os antibióticos só devem ser usados para tratar infeções causadas por bactérias. Nas infeções víricas - como é o caso da covid-19, gripe e constipações -, os antibióticos não têm qualquer utilidade.
Como surgem resistências
Ao tomar antibióticos para tratar infeções, as bactérias presentes no organismo modificam-se para conseguirem sobreviver ao fármaco, tornando-se resistentes. Quando isto acontece são necessários antibióticos mais fortes para combater a infeção seguinte. E estes potenciam novas resistências, num círculo vicioso. As bactérias resistentes passam de pessoa para pessoa, podem apanhar-se em locais contaminados e em procedimentos clínicos invasivos.
Importância do antibiótico
Há intervenções, como a quimioterapia para tratar doença oncológica, grandes cirurgias e a transplantação, por exemplo, cujos bons resultados dependem de antibióticos.
Só uma bactéria tem vacina
Há seis combinações de bactérias que determinam 75% das mortes associadas a resistências aos antibióticos. Apenas uma (pneumococo) pode ser prevenida por vacinação (vacina contra a pneumonia). As restantes têm de ser prevenidas com boas práticas a nível hospitalar e na comunidade: não tomar antibióticos a não ser quando é estritamente necessário, resguardo ou uso de máscara em caso de doença, não deitar medicamentos no lixo doméstico, lavagem das mãos, entre outras.
Higiene das mãos
A higienização das mãos é cada vez mais cumprida pelos profissionais de saúde em Portugal. Fazem-no em 80% das vezes em que devem fazê-lo (65% em 2011), nota José Artur Paiva.