As eleições para a Ordem dos Médicos arrancam na terça-feira, dia 10, e há seis candidatos ao cargo. O JN juntou-os num debate onde expressaram preocupações comuns como o acesso aos serviços de urgência. Mas também divergem, por exemplo na eutanásia. Entre 10 e 19 deste mês, cerca de 60 mil médicos vão eleger entre Alexandre Valentim Lourenço, Bruno Maia, Carlos Cortes, Fausto Pinto, Jaime Branco e Rui Nunes. A eventual segunda volta é entre 7 e 16 de fevereiro. Ficam aqui algumas das ideias essenciais.
Corpo do artigo
https://d23t0mtz3kds72.cloudfront.net/2023/01/jn_debate_medicos_06_janeiro_2023_final_20230106204114/mp4/jn_debate_medicos_06_janeiro_2023_final_20230106204114.mp4
Remuneração
Prioridade imediata é a subida dos salários
Numa altura em que há cada vez mais médicos a sair do SNS para o setor privado, a subida dos salários dos profissionais é uma prioridade imediata para todos os candidatos a bastonário da Ordem dos Médicos (OM). Jaime Branco, reumatologista, exemplificou com a região de Lisboa onde "a vida é caríssima" e "os parcos ordenados que os médicos auferem não sustentam o custo de vida". Carlos Cortes, atual presidente da OM do Centro, corrobora que o salário deve refletir "a alta diferenciação" da carreira. Se for eleito, Alexandre Valentim Lourenço, atual presidente da OM do Sul, vai propor um "período transitório em que todas as Unidades de Saúde Familiar do tipo A passem a ser do tipo B de forma a remunerar melhor os profissionais". Isto porque hoje "não há forma de reter estes especialistas em bons lugares" pois o privado oferece melhores condições. Já Rui Nunes, professor universitário, propõe "uma reforma profunda" cuja "primeira mudança imediata é o aumento do salário", harmonizando o vencimento "pelas USF do tipo B". Por sua vez, Fausto Pinto, cardiologista, defende que "o sistema público tem de ser competitivo com o privado" pois "com condições diferentes a sangria vai existir mais".
Urgências
Mais médicos de família e literacia são a solução
Outra preocupação comum entre os candidatos é o acesso da população aos cuidados de saúde, nomeadamente aos serviços de urgência. Todos enfatizaram que há 1,4 milhões de portugueses sem médico de família, o que é "uma barreira brutal" no acesso aos cuidados de saúde, apontou Bruno Maia, neurologista. Carlos Cortes lembrou que mesmo os que têm médico "passam por filas de espera longuíssimas" e denunciou que "há hospitais com doentes durante dois meses numa maca" na urgência, o que impede o atendimento de quem precisa. Jaime Branco prometeu lançar "uma campanha de literacia para a população", enquanto Rui Nunes manifestou dúvidas sobre a capacidade da Direção Executiva do SNS em resolver o problema: "Desejo as maiores felicidades, mas tenho as maiores reservas". Este candidato foi o único a criticar abertamente a criação da Direção Executiva, acusando o Governo de "centralizar" quando "os serviços de saúde têm de ser descentralizados".
Sindicatos
Dois candidatos prometem indicar o caminho
Uma grande parte das preocupações dos candidatos a bastonário diz respeito a causas sindicais, como é o caso dos salários. Daí que a intenção de ter uma boa relação com as estruturas sindicais dos médicos tenha ficado mais ou menos evidente em todas as intervenções. Duas foram mais explícitas. "Isto não é sindicato, mas se eu for eleito a OM estará ao lado dos sindicatos", prometeu Rui Nunes, que vai propor que a profissão seja considerada de desgaste rápido: "Nós apontamos o caminho e os sindicatos vão". Já Fausto Pinto ressalva que "tem de haver uma distinção entre as funções sindicais e as funções da OM". Mas enquanto garante das boas práticas médicas, a Ordem deve abordar "as condições em que os médicos exercem, incluindo as remuneratórias".
Eutanásia
Cinco são contra mas só um recusa fazer nomeação
Um dos temas mais prementes relativo à classe dos médicos é a nova lei da eutanásia que foi enviada pelo presidente da República para o Tribunal Constitucional depois da aprovação na Assembleia da República. O único candidato a favor da nova lei é Bruno Maia, que se declarou "ativista" a favor daquela causa e criticou a atual OM pela posição "tão vincadamente contra". Lembrou, por isso, o processo da interrupção voluntária da gravidez para concluir que "a OM vai ter de aceitar e modificar o seu código deontológico". Os restantes, mesmo sendo contra, têm posições divergentes. Jaime Branco garante que cumprirá a lei, mas ressalva que "o país deve oferecer cuidados paliativos a todos". Carlos Cortes é "pessoalmente contra", mas recorda que "a lei consagra a objeção de consciência" e o bastonário "deve saber ouvir e respeitar". Alexandre Valentim Lourenço foi mais crítico e afirmou que "esta lei é um convite para a desadaptação de um conjunto de condutas para um ato que não é médico". Por isso, assevera que a OM "tem de cumprir o código deontológico" e promete não nomear um profissional para a comissão nacional de verificação e avaliação dos procedimentos clínicos da morte medicamente assistida, como previsto na lei: "Nunca nomearei alguém para essa tarefa ingrata". Fausto Pinto também é contra a lei por entender que "há formas médicas de cuidar do sofrimento", mas vai nomear um representante para a comissão pois a OM "não pode perder por falta de comparência numa área tão importante e tão sensível". Já Rui Nunes aproveitou o momento para criticar a atual OM e a ausência da especialidade de medicina paliativa. Recorde-se que todos os candidatos assumiram o compromisso de criar esta especialidade médica.
Formação
Internatos comprometidos e Governo criticado
Todos os candidatos tiveram, nalgum momento do debate, palavras críticas para com a atuação do Ministério da Saúde e a área da formação, sobretudo de especialistas, foi aquela em que o tom contra o Governo mais subiu. Segundo os candidatos, há falta de especialistas para formar os internos, numa altura em que as faculdades não conseguem formar mais e algumas especialidades deixaram de ser atrativas. Jaime Branco foi um dos mais cáusticos e avisou que "os colegas de algumas especialidades podem e devem ser chamados a ajudar a resolver este problema", disponibilizando-se para dar formação. Carlos Cortes discorda e diz que "esta responsabilidade é do Governo que tem de criar condições para uma boa qualidade da formação". Que, em seu entender, não está assegurada, pois "muitos internos perceberam que iam tapar buracos nas escalas e nas enfermarias", daí que tenham optado por especialidades onde isso não ocorre. Alexandre Valentim Lourenço corroborou e contabilizou "cerca de 300 vagas por preencher" na medicina interna, tendo atribuído o número ao facto de muitos internatos apenas se focarem "na urgência, em que a formação fica prejudicada". Bruno Maia concorda que "há um problema de falta de especialistas para serem formadores". Já Fausto Pinto propôs "a criação de um observatório com planeamento a longo prazo que permita corresponder a qualidade formativa e as necessidades do país".