Primeiros três meses do novo produto da Tilray marcados por problemas na prescrição e na dispensa.
Corpo do artigo
A flor seca de canábis com 18% THC comercializada pela empresa Tilray está no mercado há mais de três meses, mas os doentes têm sentido inúmeras dificuldades no acesso a este produto. Problemas ao nível da prescrição eletrónica e da distribuição nas farmácias causaram interrupções nos tratamentos.
A substância à base de canábis, há anos esperada pelos doentes, começou a ser comercializada a 1 de abril, depois de receber autorização de colocação no mercado do Infarmed. É a única solução para um conjunto de patologias quando os tratamentos convencionais não funcionam ou provocam efeitos adversos relevantes. Mas o acesso ao produto começou logo por esbarrar na prescrição. Problemas com a PEM (prescrição eletrónica médica) impediram os médicos de receitar eletronicamente a substância da Tilray. As dificuldades no Serviço Nacional de Saúde foram resolvidas no primeiro mês, mas persistiram no setor privado até à última quinta-feira.
A empresa canadiana, em resposta ao JN a 1 de julho, admitia os problemas que estavam a comprometer o acesso dos doentes a uma potencial terapêutica e dava conta dos alertas feitos junto dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e de diversos sistemas de prescrição privados. Na última sexta-feira, depois do JN questionar os SPMS, a Tilray revelou que as dificuldades estavam ultrapassadas. Horas antes, os SPMS garantiam ao JN que não se verificava "nenhum problema relativo à prescrição destes produtos".
A questão das receitas estará ultrapassada, mas nas farmácias ainda há entraves. "Temos casos de dois doentes a quem foi sugerida a substituição do produto por um suplemento alimentar que não tem aquele princípio ativo, isto não pode acontecer", relatou a médica Ana Rita Andrade.
A presidente do Observatório Português para a Canábis Medicinal, Carla Dias, corrobora. Nos últimos meses, têm recebido pedidos de ajuda de vários doentes que não conseguem obter as receitas ou aviá-las na farmácia. E já chegou a falar diretamente com médicos e farmacêuticos para explicar como devem proceder. No caso, o contacto direto com a Tilray tem sido a solução.
Problemas nas farmácias
Nas farmácias o problema deve-se a uma portaria recente (15 de abril) que exige aos distribuidores uma certificação para transportarem produtos à base de canábis. A maioria ainda não está autorizada a fazê-lo, pelo que há situações em que o produto não aparece nos sistemas informáticos, levando os farmacêuticos a informar erradamente os doentes de que o preparado não está comercializado.
Em declarações ao JN, o presidente da Associação de Distribuidores Farmacêuticos assume a dificuldade, mas garante que está em vias de resolução. "A maioria dos associados estão em processo [para certificação] e acredito que a muito curto prazo ficará resolvido", referiu Nuno Cardoso. A Associação Nacional de Farmácias nega problemas com os sistemas informáticos, alegando que "os produtos estão codificados" e que "já ocorreram dispensas sob prescrição médica".
Outra barreira a prejudicar o acesso é o tempo de espera para consulta no SNS e obtenção da primeira receita, como relata Bryan Custódio, que está a reduzir as doses, sujeitando-se a novas crises.
Doente raciona doses porque não consegue consulta
Bryan Custódio, 21 anos, decidiu mudar-se de Espanha para Vila Nova de Milfontes depois do consumo de canábis medicinal ser legalizado em Portugal. Bryan tem um transtorno funcional que lhe provoca movimentos involuntários nas pernas, dor crónica, perda de sensibilidade nas mãos e alergia a fármacos. Faz tratamentos à base de canábis há mais de um ano, tem relatórios médicos espanhóis a referir as melhorias com óleos, cremes e flores vaporizadas, mas está em vias de parar a terapêutica por não conseguir prescrição. O médico de família só tem vaga em agosto e a consulta urgente de neurologia no Hospital de Santiago do Cacém não tem data. Resta-lhe racionar a saqueta de flor seca da Tilray. "É uma grande intranquilidade não saber se vou conseguir mais receitas", lamenta.
Saber mais
Onze empresas e apenas 1 produto
Há 11 empresas com autorização do Infarmed para cultivo de canábis para fins medicinais. Mas até agora apenas um produto (flor seca da Tilray) está disponível para os doentes.
Indicações
A flor seca da Tilray está indicada para: espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula; náuseas, vómitos (resultantes de tratamentos ao cancro ou terapêutica para VIH ou hepatite C); estimulação de apetite a doentes em cuidados paliativos; dor crónica (cancro ou sistema nervoso); síndrome de Gilles de la Tourette; glaucoma resistente.