Empresas de bebidas espirituosas alertam que vendas caíram, com portugueses a comprar mais no país vizinho. No Alto Minho, o fosso fiscal gera quebras na ordem dos 80%.
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A Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas (ANEBE) defende o congelamento da atualização do imposto sobre o álcool, bebidas alcoólicas e bebidas adicionadas de açúcar (IABA), que este ano aumentou 4%, como forma de desafogar e incentivar o desenvolvimento do setor, num contexto de retoma pós-pandemia e potencial aumento de consumo proporcional ao forte crescimento do turismo em Portugal.
Esta segunda-feira, numa conferência em Lisboa, sobre "O paradigma do setor das bebidas espirituosas - A fiscalidade do setor no contexto de recuperação pós-pandemia, inflação e disrupção das cadeias de abastecimento", a ANEBE apresentará um relatório que indica que a introdução ao consumo de bebidas espirituosas em território nacional (continente) "diminuiu quase 10% no primeiro trimestre de 2023". E que, no mesmo período, a receita fiscal caiu cerca de "900 mil euros".
Segundo o secretário-geral da ANEBE, João Vargas, a carga fiscal constitui fator de "constrangimento" ao desenvolvimento das empresas e retira-lhes capacidade de investimento e de competitividade, nomeadamente face ao mercado da vizinha Espanha, onde aquele imposto especial sobre o consumo é mais baixo (menos 30%) e não tem sofrido atualizações.
Nas zonas de fronteira, este fosso fiscal está a deixar os empresários em situação de desalento. "Em Espanha, pagam quase metade. Algumas bebidas nem pagam. Por isso é que o consumidor final, aqui da zona, vai todo lá", lamenta João Guterres, empresário e produtor de bebidas espirituosas (Decanter), de Valença, referindo que, cada vez mais, a população daquela região atravessa o rio Minho [não só, mas também] para ir comprar bebidas ao país vizinho.
O empresário refere que a situação, que já não é de hoje, afeta tanto na produção como na revenda. Alude a quebras da ordem dos "80%" nas bebidas espirituosas em geral.
Gin, vodka e uísque perdem
As mais afetadas são as que "tem mais graduação, como gin, vodka e uísque". "Os licores menos. Aqui são os que vão aguentando o segmento", diz.
Antes do agravamento do IABA, o gin era o produto que mais vendia. "Era o gin porque também somos produtores, mas mesmo fora da produção, do consumo de bares e assim, era o gin", sublinhou o produtor, que em 2015 lançou no mercado o primeiro gin tinto (Red Premium) do Mundo. E defende também a teoria que, face aos preços elevados das espirituosas, "o consumo da cerveja, mesmo na noite, nos bares, está a aumentar".
"Um gin tónico custa 8 a 10 euros, alguns 15, uma cuba-libre ou um uísque, igual. Agora, as pessoas bebem uma, duas, três cervejas e gastam os 10 euros", afirma. "Tenho sentido quebra na venda de destilados e subida na cerveja".
João Vargas reforça a ideia de que o facto de em Espanha "o imposto ser 30% mais baixo tem efeito natural nas vendas". E indica o Algarve como a região mais afetada, devido às suas "dinâmicas turísticas".
"Há cerca de sete anos que não há aumentos do IABA espanhol. A pergunta que se faz é: porque é que os espanhóis fazem isso? É para proteger duas coisas: os produtores nacionais e alavancar todo um setor importante da economia nacional, neste caso o da hospitalidade [turística], que é o canal Horeca (hotelaria, restauração, cafetaria e catering) onde são vendidas as nossas bebidas", avaliou o dirigente da ANEBE.
Aumento da taxa e inflação são entraves a negócio
De acordo com o relatório produzido pela ANEBE, em parceria com a EY Portugal, a diminuição de quase 10% da introdução ao consumo de bebidas espirituosas em Portugal no primeiro trimestre de 2023 está relacionada com a "antecipação dos produtores à entrada em vigor no início do ano do aumento de 4% do IABA [imposto sobre o álcool, bebidas alcoólicas e bebidas adicionadas de açúcar], que já havia aumentado 1% a meio do ano de 2022". E também com "a quebra de procura e de vendas, tanto pelo lado do aumento dos preços devido à indexação natural do aumento da taxa no PVP dos produtos, como pelo impacto da inflação no poder de compra dos consumidores".
Pormenores
Algarve mais afetado
Todas as zonas de fronteira são afetadas por esta diferença fiscal entre Portugal e Espanha. A região do Algarve é a mais atingida, segundo os empresários, por ter forte dinâmica turística.
900 mil euros
O Estado português já perdeu este ano, segundo o relatório da ANEBE, cerca de 900 mil euros em receita fiscal com a quebra nas vendas dos empresários nacionais.