Bispo Ornelas sobre abusos sexuais na Igreja: "Ninguém pode apagar ou anular os dramas do passado"
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) afirmou, esta segunda-feira, que o processo de atribuição de compensações financeiras a vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica é "um passo importante para o reconhecimento do mal que lhes foi infligido e de pedido de perdão".
Corpo do artigo
No discurso de abertura da 210.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, que começou esta segunda-feira em Fátima e decorre até quinta-feira, o bispo José Ornelas confirmou que a reunião dos bispos portugueses vai voltar ao tema dos abusos sexuais no seio da Igreja Católica. O objetivo da CEP é não só dar "seguimento ao trabalho em curso", isto é, o do pagamento das compensações financeiras às vítimas, mas também "manter a atenção constante ao sofrimento" e ter a "firmeza na formação e na prevenção" dos casos de abusos sexuais, apontou o presidente da CEP.
O também bispo de Leiria-Fátima salientou ser necessária "clareza e determinação no tratamento de eventuais casos futuros". "A questão dos abusos sexuais cometidos no seio da Igreja não pode, não deve e não terá uma volta atrás", acrescentou no discurso de abertura da assembleia plenária da CEP.
"O processo de atribuição de compensações financeiras é, também, uma parte deste caminho que estamos a prosseguir, procurando ir ao encontro pessoal de cada uma das vítimas. Sabendo que ninguém pode pagar ou anular os dramas do passado, queremos que este seja um passo importante para o reconhecimento do mal que lhes foi infligido e de pedido de perdão, que contribuam para sarar feridas e afirmar a dignidade, contra a qual nunca alguém devia ter atentado", afirmou José Ornelas.
Em abril deste ano, a CEP aprovou a atribuição de indemnizações a vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica. As vítimas têm até dezembro deste ano para apresentar os seus pedidos de compensação financeira ao Grupo VITA ou às comissões diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis. Será uma comissão de avaliação a determinar quais os montantes a atribuir.
Grupo VITA propôs alteração às regras
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica anunciou, em fevereiro de 2023, ter validado 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022. Por extrapolação, a comissão estima que pelo menos 4815 pessoas terão sido vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica.
Algumas vítimas criticaram o modelo proposto pelo Grupo Vita para atribuir as compensações financeiras, que prevê atribuir as indemnizações consoante os casos, e não entendem o porquê de voltar a ter de contar os casos, uma vez que já o tinham feito à comissão independente.
Da conferência episcopal em Fátima poderá sair uma alteração às regras de atribuição de compensações financeiras às vítimas, uma vez que o próprio Grupo VITA revelou ter pedido algumas mudanças no regulamento. Em entrevista ao jornal espanhol "El País", em março de 2023, José Ornelas não descartava a possibilidade de atribuir indemnizações às vítimas, mas referiu ter "dificuldade em pôr um preço ao sofrimento".
"Eu não posso dar-lhes 15 mil ou 20 mil euros e as coisas ficarem resolvidas. As ajudas nunca vão cobrir o sofrimento, mas podem servir para dizer 'eu já não sou o culpado disto e não estou sozinho'", declarou o presidente da CEP na mesma entrevista.
Polarização política em Portugal é "imprópria"
No discurso de abertura, o presidente da CEP fez também menção aos conflitos em várias partes do Mundo, que "conduzem à perda dramática de vidas" e aos "ataques ao equilíbrio ecológico, que levam à intensificação da frequência e da força destruidora" dos desastres naturais.
"A frequência e dramaticidade deste séquito de morte parece ter deixado de nos emocionar, revoltar e exigir justiça e esforços reais de paz e humanismo, incapazes de dizer 'Basta'", lamentou José Ornelas, que criticou a incapacidade da comunidade internacional para "deter as armas" e para "encontrar solução para os conflitos e para o negacionismo cego da situação crítica da Terra".
Já em relação a Portugal, José Ornelas considerou que a "polarização política", que se acentuou nos últimos meses, é "imprópria para regimes democráticos" e "parece esquecer as conquistas que mudaram o rumo da história de Portugal, há 50 anos". "O equilíbrio parlamentar só tem sentido se for agente da dignificação da política", afirmou, apelando aos eleitos para não defraudarem quem os elegeu e para contribuírem "para o bem de todos".