Bolsas de nicotina com alto risco de adição são ilegais mas vendem-se em quiosques
As bolsas de nicotina são cada vez mais procuradas por jovens em Portugal. Prometem uma vida sem fumo, mas não dizem que o consumidor está a entrar num cocktail aditivo com riscos para a saúde. A comercialização é proibida em Portugal, mas vendem-se nos quiosques e, além de não pagarem impostos, não há controlo.
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As bolsas de nicotina são pequenas saquetas de microfibra que contêm nicotina, na forma de pó ou sais, extraída da folha do tabaco ou sintetizada quimicamente. Vêm em latas que custam entre seis e nove euros, com 18 a 22 bolsas para pôr na gengiva.
A quantidade de nicotina absorvida com um cigarro comum é de um miligrama, mas cada bolsa tem entre três a 12 miligramas de nicotina. Ou seja, há casos em que o consumo é correspondente a 12 cigarros de uma vez. “É mais aditivo porque sentem o efeito da recompensa de forma aumentada”, explica Sofia Ravara, médica.
Não sabem o que vendem
O JN encontrou as bolsas à venda num quiosque comum do Porto. Atrás do balcão, a responsável disse primeiro que “não há”, mas depois de apontarmos para as bolsas de nicotina expostas num rosa vivo, exclama: “Ah, quer snus”. Snus são bolsas de tabaco para uso oral, não mascado, que se colocam na gengiva tal como as bolsas de nicotina. A diferença é que os snus têm tabaco e as bolsas não, pois só têm nicotina e aromas. “As coisas que eu aprendo convosco, para mim isso é tudo igual”, atirou a responsável.
De referir que os “snus” estão proibidos na União Europeia desde 1992, exceto na Suécia. Já as bolsas de nicotina estão fora desta proibição geral porque não têm tabaco e a comercialização depende de cada país. Há quem defenda que, na falta de lei específica a proibir em Portugal, a venda é permitida e só falta tributá-la. “Não se compreende porque é que não se aproveitou o último Orçamento do Estado para criar a categoria das bolsas de nicotina que já estão no mercado”, disse ao JN um especialista da área, que não quis ser identificado.
De facto, não há legislação específica a proibir, mas um ofício da Autoridade Tributária, de março do ano passado, esclarece que “a importação e comercialização em território nacional de bolsas de nicotina está dependente da apresentação de uma Autorização de Introdução no Mercado”. Esta autorização é emitida pelo Infarmed que, segundo o ofício, negou a entrada do produto “por ter efeitos farmacológicos e por todos os perigos que a sua utilização pode acarretar”.
O Infarmed alerta que o uso de aromas favoráveis - como o mentol – e a aposta nas embalagens coloridas contribuem “para a atratividade dos produtos de nicotina entre os jovens”.
Assim, a comercialização é proibida, mas acontece à vista de todos. A empresa Fenrir, com sede nas “Lake Towers” de Vila Nova de Gaia, é uma das principais distribuidoras destas bolsas em Portugal. Tem 84 postos de venda, quase todos quiosques comuns, e dezenas de gamas e aromas.
O único contacto que a Fenrir disponibiliza é o do e-mail de suporte ao cliente e o endereço está desativado. A empresa é detida pelo casal da Islândia Ariel Johann Arnason e Julia Cristie Kessler. Ele gere uma empresa de seguros de crédito na capital islandesa Reykjavik e ela é doutorada em engenharia química, tendo passado pela Universidade do Porto. A gestão está a cargo de Egill Orn Magnusson, também islandês, com morada em São Mamede de Infesta, Matosinhos.
Exemplos à venda
“V&You” sabe a cereja e tem 6mg
Com sete tipos corantes e conservantes, cada lata é fabricaba no Reino Unido, vendida cá a oito euros e traz 20 bolsas com seis mg de nicotina, cada, “para desfrutar 45 minutos”.
“Loop” tem 9mg e sabe a melão
Este exemplar é mais forte (tem nove mg de nicotina por bolsa) e é feito na Suécia. A lata está pintada de rosa, custa oito euros e tem 22 bolsas de melão.
Médicos alertam para risco de cancro, AVC e intoxicação mortal
O alto risco de adição está longe de ser o único problema das bolsas de nicotina na vertente da saúde. A opinião é unânime entre a Direção-Geral da Saúde (DGS), o Infarmed e os especialistas das áreas da Medicina Preventiva e da Oncologia contactados pelo JN: as bolsas de nicotina fazem mal e não devem ser consumidas.
Ao JN, a DGS explica que “existem cada vez mais evidências de riscos para a saúde das bolsas de nicotina, não sendo, por isso, a sua utilização isenta de riscos”. O organismo especifica que podem “prejudicar o desenvolvimento cerebral das crianças e jovens, que ocorre até cerca dos 25 anos”, mas também “pode aumentar a probabilidade de os jovens virem a fumar produtos de tabaco tradicionais” e, na gravidez, “a exposição à nicotina pode ser prejudicial para o desenvolvimento fetal”.
Da mesma forma, o Infarmed alerta para “todos os perigos que a sua utilização pode acarretar”. E são muitos, segundo Sofia Ravara, médica especialista nas questões do tabaco e docente de Medicina Preventiva na Universidade da Beira Interior: “Há um elevado risco cardiovascular, com possibilidade de enfarte e de AVC. Causa dependência rápida porque sentem o efeito da recompensa de forma muito aumentada. É um caminho para outras drogas como o tabaco, a canábis ou outras. Isto pode ser uma escalada”.
Gengiva absorve
As saquetas são colocadas na gengiva onde há grande concentração de vasos sanguíneos que a absorvem. Entra na corrente sanguínea e atravessa o corpo até ao cérebro, causando danos por onde passa. “Onde há nicotina há risco de cancro”, atesta José Dinis, diretor do Plano Nacional para as Doenças Oncológicas.
Sofia Ravara completa que já houve casos “de jovens que utilizaram elevadas concentrações de nicotina e tiveram uma intoxicação nicotínica que pode levar à morte”. Cita um caso que “foi parar à urgência a vomitar, mal disposto, com alterações da tensão arterial, nervoso, confuso e muito agitado”.
França foi o último país da União Europeia a banir
Não existe uma proibição generalizada para as bolsas de nicotina na União Europeia, pelo que a atitude dos Estados-membros e o grau de presença destes produtos nos mercados de cada país é variável. No limite proíbe-se, como fez a França em fevereiro.
França: Banidas em fevereiro após intoxicações
A França foi o último país da União Europeia a proibir os produtos de nicotina, nomeadamente as bolsas. A proibição vigora desde fevereiro e foi decidida após as autoridades francesas terem identificado 131 casos de intoxicação relacionados com bolsas de nicotina em 2022. Em 2020, tinham sido apenas 19. A ministra da Saúde que decidiu a proibição afirmou que “as bolsas são perigosas”.
Países Baixos: Bolsas proibidas onde vender canábis é legal
Os Países Baixos, conhecidos pelo pendor liberal nos costumes sociais onde até a venda de canábis é legal, proibiram as bolsas de nicotina em janeiro deste ano. Antes, a venda estava regulada e limitada a bolsas com baixo teor de nicotina.
Alemanha: Consideradas um alimento equase interditas
O caso alemão é incomum porque as bolsas de nicotina são consideradas um alimento e, por esse motivo, a sua venda em lojas é proibida devido ao alto teor de nicotina. O problema é que a importação é permitida e a indústria do tabaco tem pressionado o Governo para legalizar a venda em lojas, dado que os comerciantes nacionais estão a ser discriminados.
Dinamarca: Mais impostos e só são legais sem aromas ou cheiro
O governo dinamarquês regulamentou a nicotina e determinou que, a partir de 2026, as bolsas só serão autorizadas se não tiverem cheiros nem aromas, exceto o do tabaco ou de mentol. Houve ainda um grande aumento de impostos sobre produtos de tabaco e podem ser estabelecidos limites máximos de nicotina por bolsa.
Chéquia e Hungria: Legais com limitação do teor de nicotina
Na Chéquia, os menores de 18 anos estão proibidos de comprar qualquer produto relacionado com tabaco e nicotina, o que inclui as bolsas. Cada saqueta não pode conter mais do que dez mg de nicotina. A Hungria também estabeleceu um limite, mas mais permissivo, pois só proíbe bolsas com mais de 17 mg de nicotina.
Bélgica: São ilegais mas vendem-se em qualquer loja
A Bélgica foi um dos primeiros países a criar legislação específica para proibir a importação e comercialização de bolsas de nicotina. Fê-lo em 2023, mas em quase dois anos não conseguiu banir o produto das lojas, pois encontra-se facilmente em qualquer quiosque. Tal como em Portugal.