Investigadores com dificuldades vêem-se obrigados a procurar outras ocupações. A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) atribui os atrasos a mais pedidos desde a pandemia.
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Há bolseiros de doutoramento que estão à espera de resposta há vários meses do pedido do prolongamento da bolsa que lhes foi atribuída pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), sob a alçada do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Enquanto aguardam a decisão, os investigadores estão sem receber. Sujeitos a um regime de exclusividade – isto é, não podem arranjar outros empregos além da investigação que estão a desenvolver – , a bolsa é o único meio de subsistência para muitos. “Neste momento não há nenhuma salvaguarda para estas pessoas. Estão, simplesmente à espera, sem qualquer tipo de contrapartida nem de compensação”, alertou, ao JN, Sofia Lisboa, vice-presidente da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), a quem têm chegado pedidos de ajuda diariamente.
Em causa estão bolseiros que, inicialmente, pediram menos do que os quatro anos de financiamento máximo para os seus projetos de investigação, optando por prolongar, mais tarde, as bolsas. Apesar de terem feito os pedidos nos prazos estabelecidos, há muitos que aguardam pelo crivo da FCT, e, enquanto aguardaram, alguns tiveram de voltar para casa dos país ou cortar em despesas em saúde, escreveu esta quarta-feira o jornal Público.
Confrontada com estes casos, a FCT remeteu ao JN a nota de esclarecimento que publicou no seu site, onde atribui os atrasos ao aumento dos pedidos que “passaram de excecionais a muito frequentes”, ao triplicarem desde a pandemia. Garante que pretende responder aos pedidos em falta no prazo de um mês, ou seja, só em março.
Sofia Lisboa acredita que os atrasos se devem a questões de falta de solucionamento da própria FCT. A responsável da ABIC atenta que a incerteza coloca os bolseiros “numa situação de grande fragilidade”. "A bolsa que é, de facto, o rendimento de trabalho que têm. Estamos a falar de adultos, alguns com responsabilidades familiares, muitos deles provavelmente independentes das suas famílias de origem. Esta é uma situação bastante complicada do ponto de vista da sobrevivência diária destas pessoas", corrobora José Moreira, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP), que apela à FCT uma resposta nos próximos dias.
Ainda que os pagamentos em falta sejam pagos com retroativos, Sofia Lisboa salienta que “nunca serão recuperados os meses de trabalho perdidos” e admite que muitos viram-se obrigados a arranjar outra ocupação para fazer frente às despesas.
Segundo a FCT, em 2019 foram recebidos 1100 pedidos de alteração e, em 2022 e 2023, 2500, sendo que estas solicitações incluem prorrogações, mudanças de centros de investigação e/ou de planos de trabalho. Aquela instituição aponta ainda que do total das oito mil bolsas atualmente contratualizadas, 62,5% foram objeto de pedido de alterações em dois anos. Os pedidos de alteração feitos durante o período de pandemia foram todos respondidos e dos recebidos em 2023 85% já foram respondidos.
Mas os atrasos não ficaram apenas pelos pedidos de prorrogação. Um estudante de doutoramento candidato a bolsa pela primeira vez partilhou ao JN, sob anonimato, ter esperado cerca de três meses para receber. A bolsa iniciou-se em setembro de 2023, mas o jovem de 25 anos só recebeu no último dia de dezembro. O investigador na área da Física afirma que a situação era “previsível”, uma vez que são vários os casos dos bolseiros que partilham do “atraso gigante no início do pagamento das bolsas”. No meio da situação, considera-se um privilegiado por, no seu caso ter, poupanças a que pôde recorrer. Mas durante esse tempo de incerteza, viu-se obrigado a dar aulas para ter algum rendimento.
"Há aqui uma prática, infelizmente, comum da FCT, que acontece quase sempre, no início dos contratos. Portanto, a pessoa assina o contrato com a FCT, têm que indicar quando é que quer começar. Por exemplo, se diz que quer começar dia 1 de janeiro, muitas vezes, só depois recebe em março ou abril os pagamentos a retroativos", explica Sofia Lisboa. o contrato à FCT. Para evitar situações de fragilidade como estas, a ABIC tem exigido um contrato de trabalho ao invés de um contrato de bolsas que exige exclusividade.