Federação de Autocaravanistas diz que autarquias não veem real valor deste turismo. Porto é o distrito com menos espaços dedicados.
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São cada vez mais e a pandemia só fez subir os números. No litoral, os problemas agudizam-se e a nova lei está longe de os ter resolvido. Em Vila do Conde, em quatro anos, foram corridas de três sítios. As autocaravanas tornaram-se um caso sério nas cidades. Em cinco anos, o número de casas sobre rodas quadruplicou. As áreas de serviço são as mesmas e o Porto ocupa o último lugar na tabela. As câmaras queixam-se, os autocaravanistas dizem-se discriminados e acusam as autarquias de "falta de visão".
"Vamos atuando e eles vão mudando de sítio. Este é um problema transversal ao litoral, que vem também, admito, da falta de espaços para que as autocaravanas possam estacionar. Mas não pode ser uma coisa selvagem", afirma o presidente da Câmara de Vila do Conde, Vítor Costa. Na cidade, em quatro anos, a Câmara acaba de os "enxotar" pela terceira vez: primeiro, eram às dezenas no parque de estacionamento do Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental e em frente à Seca do Bacalhau, formando uma verdadeira cortina à beira-rio; depois, eram já facilmente uma centena aos fins de semana, num terreno baldio, à entrada da marina da Póvoa de Varzim, na fronteira das duas cidades; e, mais recentemente, ocuparam uma zona de estacionamento ao lado do Parque de Jogos, junto ao Lidl.
O presidente deu ordens à Polícia Municipal para, "numa ação pedagógica", sensibilizá-los para a "ocupação ilegal". Desapareceram.
Na vizinha Póvoa, a "concentração" à entrada da marina - em terreno de Vila do Conde -, mereceu reclamações das duas câmaras junto da Docapesca. Também ali o fenómeno acabou. O presidente, Aires Pereira, diz que, por ali, havia problemas apenas na marginal de Aver-o-Mar, num terreno baldio. "Há sete anos, com o arranjo que foi feito - estacionamento, zona de jogos e parque infantil -, desapareceram", salienta.
Em Matosinhos, no litoral, aqui e ali, também vai havendo problemas. Vão-se resolvendo, "caso a caso", mas também aqui é "o jogo do gato e do rato".
A Câmara de Gaia diz não ter registo "de problemas de maior": "O movimento deste tipo de veículos aumenta, naturalmente, nos meses de verão, mas são situações que acabam por ser resolvidas com diálogo e bom senso", salienta a Autarquia de Eduardo Vítor Rodrigues.
Porto no último lugar
Em 2019, contavam-se 211 Áreas de Serviço para Autocaravanas (ASA), entre públicas e privadas. Três anos depois, o número é o mesmo. Já os locais de estacionamento ou pernoita habituais (uns mais autorizados do que outros) são agora mais de 500. Entre os 18 distritos de Portugal continental é o Porto quem menos condições oferece a quem viaja numa casa sobre rodas: em 18 concelhos, há apenas quatro áreas de serviço públicas e todas no interior, às quais se juntam mais quatro privadas, também todas longe do mar. Locais de estacionamento ou pernoita são 22. Distritos como Faro têm 11, 18 e 42, respetivamente.
Já os veículos eram, em 2017, segundo a Federação Portuguesa de Autocaravanismo (FPA), quatro a cinco mil. Cinco anos depois, são 22 mil.
Falta de visão
"Não se entende a animosidade de muitas câmaras. É falta de visão dos autarcas que não sabem reconhecer o valor dos autocaravanistas e a sua importância no combate à sazonalidade. São eles quem mais fomentam o desenvolvimento regional - comem nos restaurantes, visitam a cidade, vão às compras e ao café - e fazem turismo 365 dias por ano e não só no verão", afirma o presidente da FPA. Fernando Marques tem-se batido junto das câmaras. Mais lentamente do que gostaria, o trabalho vai surtindo efeito, mas não deixa de lamentar a "discriminação" da lei.
"Qualquer ligeiro pode estacionar até 30 dias. Porque é que nós só podemos 48 horas?", questiona, lamentando que, à beira-mar, em muitos casos, as autocaravanas nem sequer possam aparcar.
"Têm os mesmos direitos que os outros turistas. Há hotéis, mas não há espaços para autocaravanas e sobretudo no litoral, onde há maior concentração, não há um plano de setor", reclama. A situação, claro, acaba por criar "conflitos".
A FPA queixa-se ainda de estarem a querer empurrá-los para parques de campismo, onde as autocaravanas, que têm autonomia energética e de água, não têm necessidade de estar e pagar pelo que não usufruem.
Restrições
O que diz a lei
A 9 de dezembro de 2020, foi redigido o decreto-lei n.o 102-B/2020 e acrescentado, assim, ao Código da Estrada o polémico artigo 50.º-A. Passava a ser proibida "a pernoita e o aparcamento de autocaravanas ou similares fora dos locais expressamente autorizados para o efeito". Os protestos foram imediatos.
Áreas POOC seladas
Em agosto de 2021, a lei 66/2021 veio alterar os artigos 48.º e 50.º-A do Código da Estrada. Assim, passaram a ser apenas "proibidos a pernoita e o aparcamento de autocaravanas ou similares, em áreas da Rede Natura 2000, áreas protegidas e zonas abarcadas pelos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), salvo nos locais expressamente autorizados para o efeito".
Máximo 48 horas
No restante território, diz ainda a lei, "é permitida a pernoita de autocaravanas por um período máximo de 48 horas no mesmo município, salvo nos locais expressamente autorizados para o efeito, para os quais não se estabelece qualquer limite de pernoitas".
Multas de 60 a 300 euros
Quem infringir a lei de pernoita e aparcamento, arrisca uma coima que pode ir dos 120 aos 600 euros, no caso de se tratar de Rede Natura 2000, áreas protegidas ou zonas POOC e dos 60 aos 300 euros no restante território.
Costa vicentina
Dois novos parques e GNR sempre atenta
A costa vicentina, na zona de Odemira, ainda não está a sentir grande pressão de autocaravanistas na zona de costa porque, explicou ao JN fonte autárquica, "a GNR anda bastante atenta e não deixa de multar quem transgride", além de que a altura de maior procura "começa em julho". Segundo a mesma fonte, existem dois parques de campismo perto (Zambujeira do Mar e Vila Nova de Milfontes) que podem ser aproveitados. No entanto, a pagar, nem todos os turistas estão nessa disposição. Por isso, a Autarquia alentejana adiantou que está ainda a criar dois novos parques para autocaravanistas, em Odemira e na zona de Santa Clara, "de forma a aliviar a zona costeira". Texto: Teixeira Correia