Inquérito da ANMP mostra que a maioria dos municípios gastou, em 2020, 155% mais do que o Governo lhes atribuiu no Fundo Social Municipal. Grupo de trabalho sem resultados.
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As despesas da maioria das autarquias com a educação superam largamente o valor do Fundo Social Municipal, atribuído anualmente através do Orçamento do Estado (OE). A conclusão é de um inquérito promovido pela Associação Nacional de Municípios (ANMP). Em 2020, os 182 municípios que responderam ao estudo (60% do total) gastaram 155% a mais - 163 milhões de euros - do que aquilo que receberam do Estado (105 milhões). Nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, por exemplo, o excesso foi de 138% e 366%, respetivamente.
A ANMP acusa o Governo de, nos últimos anos, subcalcular, sistematicamente, a verba daquele fundo. Em 2021, foram distribuídos 51 milhões de euros a menos, como a própria ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, reconheceu em novembro, durante a discussão do OE. Em 2020, foram transferidos menos cerca de 35 milhões e, em 2019, menos 17,5 milhões, calcula a ANMP.
Finanças ausente
Os alertas reiterados dos autarcas para os sucessivos incumprimentos da Lei das Finanças Locais e para a necessidade de atualizar os montantes do fundo motivaram a criação de um grupo de trabalho, por iniciativa da ministra Alexandra Leitão, em julho de 2020, que poucos ou nenhuns resultados produziu.
"As negociações ainda decorrem", afirma o presidente da ANMP, Manuel Machado, sem esconder o desejo de que "fossem mais intensas, rápidas e presenciais". O processo arrasta-se, porque, segundo o vice-presidente da associação, Ribau Esteves, "o Ministério das Finanças não comparece nas reuniões", o que obrigou ao prolongamento do grupo de trabalho por mais seis meses: "O nosso apelo é que o ministério participe neste grupo, para que sejam acordados os valores e os termos para pôr na devida ordem a relação entre a realidade e a necessidade dos montantes, definidos pelo fundo", acrescenta.
O Fundo Social Municipal foi criado em 2007, no âmbito do primeiro processo de passagem de competências na Educação do Estado Central para as câmaras, designadamente no fornecimento das refeições no Ensino Básico e apoio ao prolongamento de horário no Pré-Escolar, às atividades de enriquecimento curricular no 1.º Ciclo, à gestão do parque escolar e à Ação Social Escolar nos 2.º e 3.º ciclos.
Nunca, no entanto, as competências foram acompanhadas pelo montante financeiro devido, sublinha o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues: "O OE tem vindo, deliberadamente, a incumprir: as verbas são menores do que é a forma de cálculo. Nunca o Estado cumpriu a Lei das Finanças Locais, o que leva a que alguns municípios estejam a assumir as despesas de transporte escolar sem terem uma verba específica para o efeito".
"o Ajuste é urgente"
Esse problema agrava-se no Interior do país, onde os municípios têm maiores gastos para transportar os alunos. "Quando foram transferidas as competências na área do transporte escolar, o Estado pagou até esses alunos completarem o seu percurso escolar, mas não pagou os que entretanto entraram, o que significa que hoje as autarquias têm um défice muito grande nesta área", refere Rui Santos, presidente da Câmara de Vila Real e também dos Autarcas Socialistas.
"É urgente", frisa Hélder Sousa e Silva, líder dos Autarcas do PSD, "fazer o ajuste das verbas do fundo em função das competências transferidas, por um lado, e, por outro, dos recursos humanos e dos custos financeiros necessários para as garantir". "Por exemplo, a redução do número de alunos obriga a ter mais turmas e mais assistentes operacionais e assistentes técnicos", explica o edil de Mafra.
Não se trata, argumenta, "de mão estendida perante a administração central". "Não queremos mais do que aquilo que o Estado gasta para fazer o mesmo. Queremos é que garanta esses mínimos."
PANDEMIA
55 milhões para o combate à covid vêm da Europa
O Governo vai mobilizar 55 milhões de euros através do Fundo de Solidariedade europeu para financiar parte dos custos das autarquias no combate à pandemia entre março e julho de 2020. Manuel Machado admite que esta "primeira etapa de ressarcimento das despesas extraordinárias é um passo importante". Porém, trata-se de "apenas um quarto da verba referenciada como custos totais covid-19", lembra Ribau Esteves.