Protagonistas da revolução que derrubou a ditadura lembram que acabar com a corrupção fazia parte do projeto. Democracia faz esta quarta-feira 44 anos.
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A revolução do dia 25 de abril de 1974 pretendia mais do que só acabar com a guerra nas colónias, derrubar a ditadura e devolver a liberdade a Portugal. Pretendia criar um país "sem promiscuidade entre o poder político e judicial" e implementar valores que "tornassem inviável a corrupção". Mas se 44 anos depois do dia em que os militares saíram dos quartéis para abraçar o povo a falência do maior banco privado do país é o que mais pesa nos impostos dos portugueses, e se sobre uma fatia considerável de políticos pendem suspeitas de crimes, isso significa que "a missão do 25 de Abril não está concluída", alertam vários capitães de Abril ouvidos pelo JN. A democracia não resolve tudo.
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Nestes homens que marcaram a história acelerando o desenvolvimento e a modernização do país há uma espécie de romantismo que se perdeu. "Somos um país onde não se prende ninguém. Passámos de 40 ladrões para quarenta mil", lamenta Fernando Sottomayor, hoje com quase 70 anos.
Este alferes miliciano, que foi o último preso político do Estado Novo, é o herói ofuscado nas páginas da História por Salgueiro Maia. Basta pensar nisto: o que teria acontecido se tivesse acatado a ordem para disparar contra o homem que cercou o Terreiro do Paço, forçando a rendição de Marcelo Caetano? "Não cumpri a ordem, fui ameaçado com a minha própria arma e levaram-me preso". O processo deixou-lhe "muitos amargos de boca". Foi ostracizado, acabou por ir para a África do Sul, escolheu a vida civil, montou um negócio de exportação, deu a volta ao Mundo. E quando olha para esse mundo, lembra-se do sonho progressista que estava na base da revolução de Abril. Vê as diferenças e questiona-se: "Arrisquei a vida para quê?"
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Andrade da Silva, que comandou o primeiro quartel a entrar na Revolução, o da Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, corrobora a perspetiva inacabada da missão, mas até por isso empreende uma versão mais luminosa. Quando é desafiado a explicar a importância do 25 de Abril a gerações mais novas, conta quase uma história de ficção científica. "Fizemos uma viagem de um planeta para outro. Rompemos uma noite escura e fria e cheia de medo e nervosismo para chegar à vida."
Tinha 25 anos, "orgulho" na coincidência. Perdera o pai aos 15 anos e percebera que a trilogia de Salazar, "Deus, Pátria, Família", era uma falácia. "Fomos abandonados. Cada um ficava com o seu fado. Revoltei-me." Foi para a guerra, para Angola, até 1972.
A missão do 25 de Abril não se esgotou, insiste. "Fizemos a revolução contra a corrupção e a desonestidade. Estarmos a pagar bancos é uma contradição com o sonho", diz. "A revolução teve na sua origem um olhar sobre o futuro: se antes era a luta pela democracia, agora é a luta pela sobrevivência à quarta revolução industrial, à robotização da sociedade". É por isso, diz, que os jovens não podem perder a meada da história. "Nunca há liberdade a mais, mas tem de haver mais responsabilidade."
A mesma responsabilidade que houve quando, em 1976, se escreveu "a Constituição mais progressista do mundo", diz o tenente Carlos Tomé. Era capitão quando começou a conspiração e tem a certeza que o golpe contra o regime foi "a melhor operação dos militares em dois séculos de história". Contudo, diz, não nos iludamos: "O 25 de Abril foi a consequência da derrota iminente de Portugal na guerra colonial."