
Carlos Pontes/Facebook
Carlos Pontes trabalha para mostrar a beleza dos animais. Passa dias debaixo de sol e neve no Gerês para conseguir imagens que alertem para o risco de extinção.
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Desde os oito anos que Carlos Pontes vê lobos, mas há cerca de 14 que passou a dedicar-lhes a maior parte da vida como fotógrafo profissional. Passa "95% do tempo sozinho", pelas montanhas do Gerês, de binóculos em riste, atento a cada detalhe, a cada pegada, no rasto dos lobos. Aos 36 anos, conhece como poucos o percurso das alcateias e estuda os comportamentos de crias e de adultos, que distingue até pelos uivos.
Num passeio de jipe pela área onde trabalha, não lhe faltam histórias para contar de encontros felizes com "os bichos". Como a do ano passado, quando um animal surgiu a três metros de distância. Tão perto, que perdeu o foco, mas sem nunca sentir medo. "Nunca vi os dentes ao lobo, só fui ameaçado por uma lontra", recorda.
Apaixonado por animais, foi por causa dos lobos que comprou a primeira máquina profissional e da fotografia passou para o vídeo, para contar melhor as histórias que observa, embrenhado na natureza, camuflado, mas sem nunca enganar os lobos. "Eles sabem sempre" que está lá, apesar de todos os cuidados - usa camuflados, lava a roupa com sabão neutro e trabalha com o vento a favor. Os lobos observam-no, mas "têm medo ao homem".
Há pastores que andam no monte há 30 anos e só viram lobos uma ou duas vezes. Mais do que um biólogo, tem na observação a arma do sucesso. Chega de noite, ou ao primeiro alvor, e sai de cena de mansinho, para garantir que a espera do dia seguinte é produtiva, que o "canis lupus signatus" (nome científico) não se escapa pelas entranhas da serra Amarela, no Lindoso, uma das áreas de trabalho preferidas.
Extinção da espécie
Chega a percorrer 15 quilómetros a pé pela montanha com 20 quilos de material às costas para encontrar o sítio certo para a espera. Pára quando vê dejetos ou pegadas de lobos, segue-lhes os passos. "É muito fácil desistir, são espécies selvagens, meses sem conseguires uma imagem, tens de ter uma paixão e uma persistência muito grandes". Pernoita ao relento em dias bons de verão, dentro de uma tenda, ou no carro, em condições adversas. Num dia de neve caiu, conseguiu a tempo agarrar o telemóvel para pedir socorro. Quando o encontraram estava em hipotermia.
Pelo caminho, já viu dezenas de laços (armadilhas para capturar animais) e, por vezes, corpos decepados por caçadores furtivos. E já chorou a perda de lobos mortos à paulada, punidos por lei, crimes que ficam quase sempre sem condenações.
O amor com que fala dos lobos - "autênticos cães quando têm dois meses, por só pedirem brincadeira e comida, como crianças" - é o mesmo com que sofre quando os vê doentes, fragilizados pela falta de presas selvagens, impotente e sem os conseguir ajudar, a não ser com os disparos da máquina que lhe servem como arma para sensibilizar a sociedade e os poderes públicos para promoverem a proteção de uma das espécies mais perseguidas pelo homem.
Indemnizações por ataques acabaram em 2021
O regime transitório que determinava o pagamento de indemnizações aos pastores por ataques de lobos terminou em 2021. Carlos Pontes acredita que o "lobo tem a cabeça a prémio", porque o conflito humano/animal vai agravar-se, deixando a espécie ainda mais desprotegida. O PAN apresentou um projeto para que o prazo seja prorrogado. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas não respondeu às questões enviadas pelo JN sobre o que está a ser feito em matéria de legislação para proteger os lobos.
Pormenores
Censos
O último levantamento sobre o lobo-ibérico foi feito há 20 anos. Haverá cerca de 300 no Norte do país, mas este ano decorre um novo estudo no terreno. Carlos é um dos que trabalham nessa contagem, mas avizinha-se um futuro ameaçador para a espécie, com o declínio no número de indivíduos que vivem no país.
Documentários
O fotógrafo, natural de Ponte da Barca, está a trabalhar em dois documentários televisivos: um sobre espécies aquáticas e outro sobre lobos, com imagens inéditas da Peneda-Gerês. Carlos colabora com a revista "National Geographic".
