Número de empresas disparou em todo o país. Destaque para Lisboa, Porto, Setúbal e Faro. Já há quase tantos motoristas como taxistas.
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Sem contingente previsto na lei, o número de empresas e motoristas de TVDE (transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica) a operar em Portugal disparou. Num universo de oito plataformas disponíveis, existem atualmente 6672 empresas e os motoristas já são mais de 21 mil - quase tantos quanto os taxistas (25 834). O distrito com mais firmas registadas é Lisboa, que já soma 3873. O Porto fica em segundo lugar, com 1078. Seguem-se Setúbal com 816, e Faro com 512. O fenómeno está a levar as cidades à rutura, transformando-as em "selvas" e acabando por "matar o negócio".
Quem o diz é Nuno Lima, 33 anos, porta-voz do Sindicato de Motoristas de TVDE no Porto. Isto porque "há mais carros a circular do que pedidos [de viagem]", o que diminui a rentabilidade do negócio e contribui para a decadência da qualidade do serviço. Além de considerar que a lei "foi feita em cima do joelho", Nuno Lima vê a falta de restrição quanto ao número de carros por empresa como a principal falha.
"Este ano, o setor do táxi voltou a crescer. Por alguma razão deve ser", diz o sindicalista, dando como exemplo o que se passa atualmente no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, na Maia. "Hoje já não são 30 carros à espera de passageiros. Ultrapassam os 100", sublinhou.
Criam perfis falsos
Sobre Lisboa, António Fernandes, 54 anos, também um dos porta-vozes do sindicato, considera que aquela "ainda é das zonas mais favorecidas em termos de rentabilidade" e que a lei "não é toda má", visto que "acabou por regular alguma coisa".
No entanto, admite que há "um excesso quer de motoristas quer de carros" e que o negócio "está a crescer de forma não estruturada", alertando para a falta de fiscalização do serviço.
"Temos de ter a colaboração de todas as entidades envolvidas, desde o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes), à PSP e à GNR, de maneira a controlar e fiscalizar. Sabemos perfeitamente que há motoristas a trabalhar com perfis falsos ou com carros que não estão registados", avisa António Fernandes, atento à necessidade de "melhorar a lei".
"Engarrafar cidades"
Numa atividade onde o máximo de horas de trabalho são dez, há quem atinja as 20 por dia. Algo que também precisa de controlo, afirma António Fernandes.
Florêncio de Almeida, presidente da Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), assume que "toda a gente já percebeu que o negócio só veio prejudicar as pessoas". Afirma que o setor do táxi não continua a crescer porque é prejudicado pelos TVDE, embora esteja a modernizar-se.
"A lei precisa de ser revista porque há muita coisa que tem de se mudar. O negócio serviu para engarrafar as cidades porque os motoristas param em todo em lado", salientou Florêncio de Almeida, revelando que "já muitos clientes das plataformas voltaram para o táxi". "Temos mais regras", acrescentou. Sobre a possível queda dos TVDE, o presidente da associação garante: "O tempo dirá".
Adora o que faz mas admite que "não é para todos"
Marco Preda trabalha como motorista para três plataformas. Alerta para a perda da qualidade do serviço, que resulta na perda de clientes e quer ver renascer a "qualidade" do TVDE.
Em meio ano de trabalho como motorista para as plataformas Uber, Bolt e Kapten, Marco Preda, 38 anos, admite que o negócio já perdeu muitos clientes. O fraco grau de exigência dos cursos de formação e o aumento do número de motoristas são para Marco a principal justificação do declínio da qualidade do serviço.
O motorista é "mais um recibo verde" que espelha a precariedade do setor dos TVDE. Tanto pode somar 400 como dois mil euros no final de cada mês, mas todas as semanas tem de pagar 250 euros pelo aluguer do carro à empresa que o contratou. É o próprio trabalhador que assume as despesas de combustível, portagens, seguros e inspeções.
"Não é um trabalho para todos", garante, mas o gosto pela profissão não lhe permite seguir outro caminho: "Adoro conduzir e conhecer pessoas. Adoro fazer isto".
"Serviço de qualidade"
No entanto, a falta de critério no acesso à profissão é o que o preocupa mais. "Agora qualquer pessoa pode ser motorista. Quando a Uber apareceu, os motoristas tinham de trabalhar de fato", recorda Marco Preda, apontando a forma de vestir como distinção de um "serviço de qualidade". Alertando para a falta de critério na seleção de condutores que começam a trabalhar à boleia do crescimento das novas empresas de TVDE, Marco Preda acredita que não falta muito para que existam "mais carros do que clientes".
Lidar com o cliente
"Para mim, quando o cliente entra no meu carro tem de sentir-se em segurança e de distrair-se. Porque as viagens aqui no Porto são muito chatas. E o mesmo percurso pode demorar dois minutos ou vinte", diz Marco, vendo a capacidade de lidar com o trânsito como mais uma dificuldade do trabalho.
Haver uma conversa durante a viagem é, para o motorista, regra básica para lidar com todos os clientes. Mas política, futebol ou religião são temas indiscutíveis. "Transportar pessoas que não conhecemos é um risco. Não sei quem é, não sei o que faz, portanto não se fala disso", assegura.
Mas Marco Preda deixa alguns conselhos para quem estiver a dar os primeiros passos na profissão: "É preciso tirar o perfil do cliente. E isso faz-se de acordo com a forma como ele entra no carro. Como por exemplo, se diz bom-dia ou não".
Sobre a imagem que se criou do público dos TVDE, o motorista garante que não são só jovens. "Trabalho com muitas avós que vão ao médico ou que levam o neto ao cinema. Às vezes, é a filha que usa a aplicação, mas conheço muitas avós que também já a usam", garante.