É o único projeto do país, fica em Viseu, e acolhe mulheres agredidas com problemas do foro psicológico. Maioria tem menos de 45 anos e sofreu às mãos de familiares, companheiros e ex-companheiros.
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Antes do último outono, as esperanças de Beatriz (nome fictício) já tinham acabado. Deitou-se no meio da estrada e esperou que um carro lhe levasse, em excesso de velocidade, o sofrimento de 32 anos. Perdera a conta ao número de vezes que saiu de casa e voltou, sempre a acreditar, uma vez atrás da outra, que o companheiro não voltaria a agredi-la, nem a chamar-lhe nomes feios. Que deixaria de ter o telemóvel e os passos controlados.
"Tinha ciúmes doentios, mas ele nunca vai mudar", convenceu-se Beatriz , que ficou para contar, porque a tentativa de suicídio saiu frustrada. O carro que passou era conduzido por um vizinho que travou e lhe pediu: "Não faças isso".
Beatriz, que sofre de depressão, é uma das 16 mulheres acolhidas na única casa-abrigo do país para vítimas de violência doméstica com doença mental, que faz parte do Centro de Acolhimento de Emergência, criado em 2013 e que já recebeu 714 vítimas (entre mulheres e filhos). São projetos eridos pela Casa do Povo de Abraveses, Viseu, instalados na mesma residência, cuja localização, por razões de segurança, não é revelada.
Inaugurada a 4 de fevereiro do ano passado, com o apoio da secretaria de Estado da Cidadania e Igualdade, a casa abrigo tem 14 quartos, 12 com casa de banho privativa, uma cozinha industrial, uma sala de refeições, uma sala de convívio e um grande jardim. Com lotação para dez pessoas, a instituição acolheu, também cinco filhos de vítimas.
De todo o país
As mulheres, oriundas do Norte ao Sul do país, entre os 23 aos 58 anos (62,5% tem menos de 45 anos), foram vítimas do companheiro (a maioria) do ex-companheiro, da namorada, do pai, do irmão. Sofrem de bipolaridade, síndrome de borderline, depressões.
"Foi rara a pessoa que entrou ali sem depressão", assegura Carla Andrade, a assistente social que é diretora técnica da Casa Abrigo e do Centro de Acolhimento de Emergência.
Após um período de adaptação, uma equipa multidisciplinar estuda a situação clínica destas mulheres em risco e em idade ativa. "Depois é traçado um projeto de vida para que, no prazo de meio ano, a pessoa possa ganhar autonomia e reorganizar a vida", explica a diretora técnica. Acolhidas gratuitamente, recebem acompanhamento psicológico. São inscritas em cursos de formação, colaboram nas tarefas da casa, participam em atividades de convívio e podem sair para onde quiserem.
"Dois terços das vítimas [10] foram autonomizadas através de cursos de formação e da prestação social de inclusão. Ficaram com vencimentos próximos dos 500 euros, o que lhes permite ter autonomia financeira", explica a diretora. As restantes não cumpriram regras e algumas saíram por desestabilizar a casa.
Devia haver mais
Beatriz frequenta um curso e pretende ficar a viver em Viseu. "Estas casas-abrigo são importantes, devia haver mais", defende.
Maria concorda. Habita a casa, no piso destinado ao Centro de Acolhimento de Emergência. Fugiu do marido que a agrediu e insultou durante 30 anos. "Dormi muitas vezes em cortelhos com os meus filhos. Ele não me podia ver", diz com os olhos cheios de água, ao mesmo tempo que aumenta o volume de voz para repetir um desabafo: "Não devíamos ser nós a sair de casa, mas o agressor. Nós não fizemos mal a ninguém...".