Caso das gémeas: Temido admite que "pedidos de consulta vindos de gabinetes não são normais"
Marta Temido, ministra da Saúde aquando da alegada cunha para as gémeas, garante que não teve "nenhum contacto com o caso" nem houve acesso facilitado. Sobre a intervenção de Lacerda Sales, disse que "pedidos de consulta vindos de gabinetes não são normais" e admite que o ex-governante o tenha feito "indevidamente".
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"Não tive qualquer contacto com o caso. Isso já ficou demonstrado com o trabalho inspetivo da Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e pelas audições que a comissão parlamentar de inquérito já realizou", defendeu esta sexta-feira a ex-ministra da Saúde e atual eurodeputada do PS, no arranque da sua audição na comissão de inquérito parlamentar ao caso das gémeas luso-brasileiras
Insistiu depois que apenas teve conhecimento do caso dos gémeas aquando da divulgação de uma reportagem, através de uma jornalista de um canal televisivo, a quem respondeu que tinha a ideia de "umas gémeas". "Respondi de boa fé e quando passou a primeira reportagem sobre o tema tentei inteirar-me do que se passava”, respondeu à deputada liberal Joana Cordeiro.
Admitiu que, quando soube do caso das gémeas, falou com o então secretário de Estado da Saúde, mas recusou relatar o conteúdo daquela conversa: "falei com o dr. António Lacerda Sales. Não revelo conversas privadas", respondeu.
"Tiveram o acesso que deviam ter"
"Eu não tive nenhum contacto com esse processo", reforçou depois perante a a insistência da deputada, acrescentando que as duas crianças "não tiveram um acesso facilitado" ao medicamento Zolgensma. "Tiveram o acesso que deviam ter. Se as crianças aparecessem na urgência" teriam tido aquele acesso, defendeu, argumentando ainda que "não passaram à frente de ninguém".
"Compreendo a questão de ser uma despesa muito significativa. Mas nada de anormal significa o pedido de um medicamento de dois milhões num ministério que tinha 2,2 mil milhões de despesa com medicamentos", continuou a ex-ministra, insistindo que "esta é a normalidade dos preços de acesso à indústria farmacêutica".
"Nunca podemos deixar cair as nossas equipas"
Foi depois questionada sobre a intervenção do seu ex-secretário de Estado Lacerda Sales que, segunda a ex-secretária deste governante, foi quem pediu a marcação de consulta para as gémeas.
Embora alegando não saber "o que António Lacerda Sales fez”, disse que "nunca podemos deixar cair as nossas equipas". "Não vou emitir um juízo de valor. Mesmo que o tenha, guardo-o para mim", respondeu. "Preservamo-nos uns aos outros", defendeu.
Pedido de consulta do Ministério "não é circuito normal"
A deputada bloquista Mariana Mortágua perguntou depois a Marta Temido se era normal os gabinetes do Ministério da Saúde requererem a marcação de consultas, na sequência das afirmações da ex-secretária de Lacerda Sales, que afirmou que o pedido de consulta partiu do então governante.
"Pedidos de consulta vindos de gabinetes não são normais. Não é o circuito normal", assegurou Marta Temido.
Não sabe porque comunicação não chegou ao gabinete
Instada pela mesma deputada sobre o facto da comunicação da Presidência da República ter ido da Secretaria Geral do Ministério da Saúde para a Secretaria de Estado e não para o seu gabinete, Temido admitiu igualmente que o circuito que o processo seguiu "não é normal", embora garantindo que costuma acontecer devido ao elevado números de encaminhamentos.
"Há um hiato que não consigo explicar sobre porque o pedido não chegou à minha chefe de gabinete”, respondeu. "Não consegui apurar porque esse expediente não chegou ao meu gabinete", reforçou também na audição, questionada sobre o encaminhamento do ofício para a Secretaria de Estado da Saúde.
Subscreve Costa: "governantes responsáveis pela equipa"
Marta Temido subscreveu depois a afirmação feita por António Costa nas respostas que deu à comissão, de que "os governantes são responsáveis pelos atos das suas equipas".
O deputado centrista João Almeida perguntou à ex-ministra sobre se sente responsável pelas ações de quem estava na sua tutela, como é o caso de Lacerda Sales.
"Subscrevo a ideia de que os governantes são responsáveis pelos atos das suas equipas. A minha equipa envolvia o secretário de Estado", respondeu.
"O melhor é manter distância" com Lacerda
"Claramente, deixou-se que uma situação em duas pessoas, que tiveram acesso a um medicamento e não passaram à frente de ninguém, se transformasse no tema que temos aqui. É um facto muito perturbador sobre o qual não posso deixar de me questionar se não teria feito algo de outra maneira", admitiu em seguida.
Pelo PSD, António Rodrigues perguntou à ex-ministra sobre eventuais contactos com Lacerda Sales. "O melhor é mantermos distância entre nós para não se gerarem outras interpretações", respondeu. E negou contactos com o filho do presidente da República: "Nunca o dr. Nuno Rebelo de Sousa, com quem nunca me cruzei, me contactou".
Temido admite "responsabilidade política"
"O responsável pela marcação da consulta é o médico. Aqui parece-me que houve a iniciativa clínica do médico", afirmou em seguida a antiga ministra da Saúde. Perante a insistência de André Ventura quanto à intervenção de Lacerda Sales, a atual eurodeputada afirmou que "pode ser uma responsabilidade política ou de outro tipo". "Se há uma responsabilidade política por trás, é o que está a ser avaliado" nesta comissão, ressalvou Temido.
A inquirida foi depois confrontada pelo Chega com o email dirigido ao Infarmed em que a médica que tratou as gémeas, Teresa Moreno, afirma que a consulta foi pedida por Lacerda Sales.
"A responsabilidade política de quem possa ter indevidamente solicitado [a consulta] será de quem a solicitou. Alegadamente, o secretário de Estado [Lacerda Sales]", respondeu.
"Tenho uma responsabilidade política? Tenho. Podia ter feito alguma coisa para modificar o rumo dos acontecimento se tivesse sabido? Talvez sim", admitiu depois Marta Temido.