Em 2019, foram detetados 57.878 casos de cancro e 28.464 óbitos, segundo o Registo Oncológico Nacional 2019. Sexo masculino tem mais cancro do pulmão, mas incidência e mortalidade aumenta nas mulheres devido a tabaco.
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Em 2019, foram diagnosticados 57 878 novos casos de cancro, um aumento de 19,3% face a 2010. Os homens continuam a ser mais afetados por tumores malignos do que as mulheres, mas, nos últimos anos, o risco de cancro aumentou globalmente e em especial no sexo feminino. Para uns e para outros, a idade mais crítica é entre os 60 e os 74 anos.
São resultados do Registo Oncológico Nacional (RON) 2019, o mais recente retrato do cancro em Portugal. O documento, a que o JN teve acesso, foca-se em 2019, faz um zoom a cada distrito, mas também olha para trás, permitindo acompanhar a evolução da incidência numa década. Faz, ainda, uma breve alusão à mortalidade: em 2019, morreram 28 464 pessoas com cancro.
Tumores nos homens
Aos 57 878 novos casos, corresponde uma taxa de incidência global de cancro de 562,1 por cada 100 mil pessoas por ano, muito superior nos homens (648,3/100 mil pessoas-ano) comparativamente com as mulheres (485,1/100 mil). Olhando ao rácio, por cada 119 casos diagnosticados no sexo masculino, há 100 no feminino.
Ao longo da vida, o risco de tumores nos homens é superior ao das mulheres na maioria dos grupos etários, mas elas têm maior risco de cancro em idade fértil. A esta tendência, não será alheio o facto de o cancro da mama continuar a ser o mais frequente nas mulheres, tendo registado 8482 novos casos em 2019. Já entre os homens, destaca-se o da próstata, que somou 5912 novos diagnósticos, no mesmo ano. Mas enquanto este último praticamente estagnou ao longo da última década, a incidência do cancro da mama continua a aumentar, revela o RON 2019.
"Um em cada três cancros da mulher são da mama", realça Maria José Bento, diretora do serviço de epidemiologia do IPO do Porto, que assumiu a coordenação do RON 2019.
Olhando para trás, o registo indica que, de 2010 para 2019, há um aumento do risco do cancro da mama, patologia muito associada à parte reprodutiva e hormonal da mulher. Porém, o crescimento dos novos casos também estará relacionado com o aumento da deteção através dos rastreios.
Depois da mama e da próstata, e em ambos os sexos, o cancro do cólon, com 5483 casos em 2019, voltou a ser o mais frequente. Seguido do cancro do pulmão, que registou 5208 novos casos. Nos tumores do pulmão, cujo principal fator de risco é o tabagismo, os homens continuam a dominar, mas é nas mulheres que surgem sinais de alerta. "As taxas de incidência e a mortalidade por cancro do pulmão estão a aumentar entre as mulheres", assinala Maria José Bento, associando os resultados ao aumento dos hábitos tabágicos nas mulheres nos últimos anos.
Três com risco crescente
Depois do pulmão, surgem os cancros da pele (3317 novos casos) e do estômago (3061). E este último merece especial atenção do diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direção-Geral da Saúde. Perante a elevada taxa de incidência deste cancro no país, José Dinis entende que Portugal terá que dar prioridade ao rastreio populacional do cancro gástrico (ler entrevista). Cancro da bexiga, do reto, linfoma não Hodgkin e os cancros da tiroide, do pâncreas e do rim completam a lista dos tumores mais frequentes.
Para melhor avaliar a tendência temporal do risco de cancro, o RON recorre a taxas padronizadas à população europeia, que eliminam o efeito idade, que é, por si só, um fator de risco da doença. Assim o relatório conclui que, comparando 2010 e 2019 e anulando o efeito idade, houve um aumento relativo do risco de cancro de 11,3% neste último ano. E adianta que, entre as doze patologias mais frequentes, os cancros do pâncreas, do pulmão e da bexiga "apresentaram riscos crescentes em 2010, em 2018 e em 2019, tanto globalmente como em ambos os sexos".
Deve ser dada prioridade ao rastreio do cancro gástrico
Mais do que um "excelente" retrato do país em termos de cancro, José Dinis olha para o Registo Oncológico Nacional como "uma fonte inesgotável" de informação para fazer estudos e adequar as políticas de saúde. Após um breve olhar sobre o relatório, avança duas medidas para melhorar resultados nos cancros do estômago e do colo do útero.
O relatório aponta um aumento de novos casos de cancro de quase 20% em dez anos. Era o esperado?
Está dentro do esperado e vai aumentar mais, é uma inevitabilidade. O cancro está relacionado com o envelhecimento, com estilos de vida. Há fatores de risco em que podemos atuar, mas na verdade não fizemos nada para mudar. Estou a falar do tabagismo, do álcool, do sedentarismo, da obesidade... Não é exclusivo de Portugal, estamos em linha com o resto do Mundo. Mas mais casos não é necessariamente mau, pode significar mais diagnóstico. Coisa diferente é a mortalidade por cancro.
O que é preciso para reduzir os novos casos?
É fundamental fazer chegar às pessoas a mensagem de que o comportamento está associado a um risco de neoplasia. Explicar por que é que devem adotar uma dieta saudável, combater a obesidade, por que é que devem evitar o consumo excessivo de álcool, o tabaco, a exposição solar em demasia.
O que traz de novo este RON 2019?
Parece-me particularmente relevante a incidência de cancro gástrico no país, sobretudo na região Norte. Este mês, o Conselho Europeu vai fazer novas recomendações para rastreios populacionais: devem recomendar o rastreio para o cancro do pulmão em populações selecionadas, para o cancro da próstata e para o cancro do estômago nos países com maior incidência. Face a estes números, estou convencido de que Portugal terá de assumir como prioridade o rastreio populacional ao cancro gástrico.
E há mais onde atuar?
No cancro do colo do útero, nota-se um aparecimento mais tardio, em idades posteriores ao rastreio. Parece haver um indício de que a vacina (do HPV) está a funcionar e fará sentido fazer o rastreio mais tarde, numa idade onde há uma incidência que não é desprezível. É uma questão de pôr o lençol mais acima, porque os pés já estão protegidos com outra arma, a vacina.