Cerca de 300 professores, técnicos-auxiliares e outros profissionais da educação participaram este sábado à tarde numa arruada para "salvar a educação", em Lisboa, organizada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.TO.P.). Pedem à sociedade um voto nas legislativas a favor da escola pública.
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A uma semana do país ir às urnas, no próximo dia 10 de março, centenas de profissionais da educação estiveram nas ruas de Lisboa para deixar claro que só irão votar em quem os valorizar e investir na escola pública, e apelam à sociedade civil que faça o mesmo.
Os problemas que denunciam são os mesmos que contestam há mais de um ano. "Tudo aquilo que temos vindo a chamar à atenção ao longo dos últimos anos, neste momento está muito mais degradado", afirma, ao JN, a delegada sindical Tânia Silva.Para a educadora de infância do pré-escolar lisboeta, é preciso, "de uma vez por todas", resolver a falta de recursos humanos e materiais que não permite às escolas acompanhar as necessidades educativas dos alunos.
"Não estávamos a falar apenas do tempo de serviço que nos foi retirado, mas de escolas que não têm capacidade para receber todos os alunos que estão a chegar de vários pontos do Mundo. Recebemos meninos com três, quatro anos que não sabem falar inglês para termos algum tipo de comunicação. Quem fala da falta de mediadores socioculturais, de assistentes técnicos e operacionais, também fala de escolas degradadas, em que chove em tomadas de eletricidade", denuncia.
Perto das 15 horas já se ouviam ao fundo da Avenida da República apitos, tambores e vuvuzelas do grupo que começava a juntar-se na Praça Duque de Saldanha. A chuva e o frio que se fez sentir na capital não demoveu muitas dezenas de apanharem o autocarro esta manhã em várias regiões do país com destino a Lisboa. Do Algarve chegaram três autocarros. Num deles veio Ana Rita Batista. De tambor ao peito, a professora e delegada sindical aponta que, analisados os programas políticos dos partidos para estas eleições legislativas, "não há nenhum que verdadeiramente defenda a escola pública".
Do novo Governo, Ana espera "investimento", algo que acusa o poder político de não levar a cabo, tal como de não ouvir os profissionais de educação. Para a professora algarvia a contagem do tempo de serviço não é "nem pouco mais ou menos" o mote de luta dos professores. "Temos mais de 20 mil alunos no final do segundo período sem um professor, é isto que é grave", adverte.
A arruada deste sábado é a ação que culmina os protestos das últimas semanas à frente de vários agrupamentos de escolas, organizados pelo S.TO.P. Os profissionais contestaram pelo país a municipalização da educação, em defesa da contagem de todo o tempo de serviço dos professores e não docentes (congelado durante o período da troika), pelo direito a uma pré-reforma digna e pela profissionalização em serviço gratuita para todos os docentes contratados (com habilitação própria para a docência e 1095 dias efetivos de serviço).
Isabel Monteiro dá aulas ao 1.º ciclo há 35 anos na Figueira da Foz. Passou há pouco tempo para o 8.º escalão, mas se fosse contado o tempo de serviço estaria dois acima. "Muito provavelmente irei me reformar sem chegar ao topo da carreira", lamenta a professora de 58 anos, que considera o modelo de avaliação dos docentes "simplesmente caricato".
"É preciso começar a respeitar todos os profissionais nas escolas. Não aceitamos que sejam colocados nas nossas escolas quem não tenha formação. É um desrespeito para connosco que tivemos de completar a formação própria para sermos professores", defende. Coordenadora da escola onde leciona, Isabel não deixa de lamentar que a câmara daquele município ainda não tenha atendido às obras necessárias naquela escola.
Com as eleições à porta, não faltaram críticas aos partidos políticos. "Não se tem falado de educação como se devia", lança André Pestana, coordenador do S.TO.P, em declarações aos jornalistas. "A escola pública tem um papel que mais ninguém pode ter na sociedade, que é garantir uma educação de excelência para todos os alunos, independentemente de serem filhos de ricos ou pobres, e isso as escolas privadas não garantem", afirma.
O desejo que paira no ar é o de que o Governo que saia das eleições abra um novo diálogo com o setor, embora os professores prometam não sair das ruas até verem as suas exigências ser respondidas. "Seja mais à esquerda ou mais à direita, se [o novo Governo] não investir a sério na escola pública e na valorização de todos [os profissionais], esta luta não vai parar", garante o dirigente.
Embora sem mencionar partidos, Pestana deixa claro quais os programas partidários que os professores devem excluir, referindo que a solução para melhorar o acesso a uma educação de qualidade não passa por deixar que os recursos vão para as escolas privadas com o regresso dos contratos de associação ou que se extinga o 2.º ciclo. "É uma medida meramente economista, sem qualquer critério pedagógico. Esse claramente não é o caminho", aponta.
A passo lento, os participantes começaram a desfilar pela Avenida 5 de Outubro, muitos vestidos com t-shirts do sindicato e outras com "cartoons" associados à luta dos professores. “Venham já as eleições, nós queremos soluções” ou "Dia 10 já está a chegar, venha lá essa eleição, nós vamos todos votar para salvar a educação”, são algumas palavras de ordem e cânticos que entoam.
São poucas as pessoas que passam na rua, mas aos mais curiosos é lhes dado um panfleto com algumas reivindicações daquela força sindical. “Vote a favor da Escola Pública e da valorização de todos os seus profissionais”, pode ler-se no papel. Os profissionais seguem com faixas e cartazes, atrás de alguém mascarado de ovelha negra com fotos dos líderes do PS, PSD e Chega. "O rebanho segue chego", é o alerta deixado. A marcha ruidosa continua com destino ao Jardim Amália Rodrigues, onde alguns irão partilhar os seus testemunhos.