Eurocupon motiva denúncias ou pedidos de ajuda quase diários à Deco. Empresa condenada quatro vezes desde 2021 defende que reclamações representam 1% do volume de vendas.
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No final do ano passado, António Menezes recebeu, na caixa de correio eletrónico, um anúncio para a aquisição grátis de um aspirador. “Logicamente, quando nos oferecem alguma coisa, nós aceitamos”, aponta o homem de 60 anos, residente na Figueira da Foz. Aceitou a oferta, cedeu os dados bancários para concluir o envio e, mais tarde, foi confrontado com um débito de 3,99 euros na conta, para uma empresa que não conhecia. “Dei ordem ao banco para cancelar e fui contactado pela Eurocupon, que me fez a oferta, a dizer que tinha um valor em dívida com uma enormidade de juros. De 3,99 passou para 58 euros”, conta ao JN. Foi alertado pela empresa que o valor era referente a um seguro mensal, previsto no contrato que aceitou quando mandou vir o aspirador. Garante que já reclamou no Portal da Queixa e junto da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco), mas ainda não viu a situação resolvida.
Semelhantes ao relato de António Menezes haverá, segundo a Deco, centenas por todo o país. A associação confirma que recebe, “há anos”, queixas sobre a Eurocupon, uma loja que publicita, no site e nas redes sociais, artigos gratuitos ou a preços baixos. “Pelo menos dia sim, dia não, temos uma reclamação ou pedido de informação relativo a esta empresa”, afirma Diogo Martins.
Práticas desleais
De acordo com o jurista, a maioria dos queixosos são de uma faixa etária elevada, o que os torna mais vulneráveis, e são contactados por telefone, dificultando o acesso às condições em que os artigos são adquiridos. “Normalmente, não gostam de ser desrespeitosos. Até querem desligar a chamada, mas a chamada continua e depois acabam por celebrar contratos sem saber, ou de que não tinham perfeitamente conhecimento”.
A juntar-se à “falta de transparência” estão “práticas enganosas que distorcem completamente o discernimento do consumidor”. “Não pode estar subjacente a algo que é apresentado como gratuito um encargo. Não faz sentido, é desvirtuar o sentido de uma oferta”, esclarece Diogo Martins. Nos últimos três anos, a Eurocupon foi quatro vezes condenada por publicidade enganosa e sujeita a uma multa de 14 500 euros [ler texto abaixo].
Queixas representam 1%
Questionada pelo JN, a marca defende que, “como todas as empresas com contacto direto com o cliente final”, a Eurocupon tem reclamações, mas que estas “representam cerca de 1%” do volume de vendas. “Todo o nosso processo de venda está montado de forma a assegurar que o cliente tem todas as informações pré-contratuais para tomar uma decisão de compra esclarecida e informada, bem como para exercer o seu direito de livre resolução se assim o entender”, expõe.
No Portal da Queixa, onde é pelo 3.º ano consecutivo “marca recomendada”, a loja teve 138 denúncias em 2023 (menos 27 do que em 2022) e soma, este ano, 111. Tendo em vista “um processo de melhoria contínua”, a marca criou recentemente uma equipa dedicada de pós-venda e apoio ao cliente e pediu colaboração à Deco para “agilizar a resolução de reclamações”.
Exemplo: Máquina de café “grátis” custa quase 175 euros e demora três anos a pagar
A Eurocupon publicitou, nas redes sociais, uma máquina de café “grátis”, cujo valor real é de 173,54 euros. Através da hiperligação disponível no Facebook, os clientes são redirecionados para o site da marca que, no fundo da página, apresenta em letras pequenas as condições da oferta. O valor da entrega é de 29,90 euros e é obrigatório aderir ao serviço de “garantia plus” que custa 3,99 euros, durante 36 meses. A Eurocupon alega que, após mostrar interesse num artigo, o cliente é convidado a ler os termos e condições, que são novamente explicados por telefone, e que com a encomenda é enviado um formulário que prevê a devolução num prazo de 14 dias. O débito direto é a única forma de pagamento, o que obriga os clientes a cederem o IBAN.
Eurocupon condenada quatro vezes e obrigada a pagar multa
A Direção-Geral do Consumidor (DGC) instaurou quatro processos de contraordenação à Eurocupon, entre 2021 e 2024, “na sequência de reclamações ou participações externas”. Os processos resultaram em condenação, com a aplicação de coimas no valor total de 14 500 euros.
Ao JN, a DGC esclarece que a empresa violou “o regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores”, em matéria de publicidade enganosa, quer relativa ao preço ou forma de cálculo do preço, quer pela publicitação de bens como “grátis” ou “gratuito” com encargos dispensáveis ao consumidor. A entidade pública revela também que a Masterideia, Lda. (empresa que detém a Eurocupon) motivou 217 queixas no livro de reclamações eletrónico, desde 2018, ano em que se registou na plataforma. No ano passado, obteve 53 reclamações, menos duas do que em 2022, e este ano conta com 44.
Motivo das queixas
Por outro lado, a empresa indica que os principais motivos de reclamações reportados pelos consumidores prendem-se com “atrasos nas entregas, problemas com encomendas (defeitos, encomendas erradas, extravio) e esclarecimentos de valores cobrados”. A Eurocupon defende que nunca deixa uma reclamação sem resposta, o que é possível comprovar através do Portal da Queixa, onde a taxa de resposta é de 100%. Porém, a média de avaliações fixa-se nos 22,9% e a taxa de retenção de clientes não vai além dos 17,4%.
Como comprar à distância
Desconfie sempre do que é gratuito
A primeira dica pode parecer óbvia, mas nunca é demais reforçar: ninguém dá nada a ninguém. Se o estão a contactar é porque querem vender-lhe algum bem ou serviço.
Peça as condições por escrito
Antes de aceitar qualquer negócio, peça as condições de adesão preferencialmente por escrito. Se não tiver e-mail, peça à empresa que envie por carta.
Informe-se sobre os seus direitos
Quando faz um contrato à distância, nomeadamente por telefone, a lei prevê que possa cancelar o bem ou serviço, sem qualquer tipo de justificação, 14 dias após a receção.
Não tenha receio de pedir ajuda
Não tenha vergonha de admitir que caiu num “esquema” ou foi enganado. Acontece a todos. Exponha a situação para que seja resolvida. É importante denunciar e não deixar passar meses ou anos, como às vezes acontece.
Peça ajuda jurídica se necessário
Para resolver os chamados conflitos de consumo, há tribunais específicos (os centros de arbitragem) que resolvem a situação em poucos meses e com custos jurídicos muito reduzidos.