Centrais reversíveis em Espanha podem reduzir caudal do Tejo a níveis de seca em Portugal
Projetos de “bombagem hidroelétrica reversível nas barragens espanholas de Alcântara e Valdecañas”, que podem manter a água “em circuito fechado” em território espanhol, podem reduzir caudal do Tejo permanentemente. Associação apresentou queixa.
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Vinte e cinco organizações portuguesas e espanholas subscreveram uma denúncia enviada à Comissão Europeia (CE), para que os governos de Portugal e Espanha sejam instados a tomar medidas para evitar a degradação do caudal do rio Tejo, ao ponto de ficar reduzido, em permanência, a níveis de seca do lado português.
A queixa apresentada pelo Movimento pelo Tejo (proTEJO), subscrita por organismos ambientalistas, sociais, culturais e autarquias, dos dois lados da fronteira, apela a uma intervenção da CE para que se determine “a implementação de um regime de caudais ecológicos, por negociação com Espanha”, na barragem espanhola de Cedillo, a que mais próxima da fronteira entre Portugal e Espanha. Uma pretensão sustentada na posição recentemente assumida pelo especialista Rodrigo Proença de Oliveira, do Instituto Superior Técnico (IST), responsável pelo estudo das disponibilidades hídricas de Portugal, em que se basearam os planos de bacia hidrográfica de 2022-2027.
Em declarações ao “Jornal de Notícias”, Paulo Constantino do proTEJO, explicou que estão em causa “bombagens reversíveis que vão ser feitas em Alcântara, atualmente em consulta pública, e de Valdecañas, que não carece de consulta pública por se encontrar a mais de 100 quilómetros de Portugal” e que deixam em perigo o caudal do rio. “As duas vão fazer com que haja um ciclo fechado de água, a ser bombada para trás. Ou seja, o que vai acontecer é que a Portugal, vão chegar os caudais mínimos da convenção de Albufeira, que não são ecológicos e foram determinados em estudos anteriores à própria diretiva quadro da água em 1998”, indicou.
Regime de caudais é "obsoleto"
Paulo Constantino considera “obsoleto” o regime de caudais ditado pela referida convenção. “São 2700 hectómetros”, que considera “um caudal de ano de seca”, sensivelmente o que passou nos anos hidrológicos de 2020 e 2021. Um valor que representa metade da média de água recebida por Portugal nos últimos 12 anos, que foi de cerca de 5500 hectómetros cúbicos, “cerca de 63% das disponibilidades hídricas do Tejo em Espanha”. Segundo aquele dirigente da proTEJO,
“A maior parte da água entra junto à nossa fronteira. Até agora tinha que passar num cascata de barragens para produzir energia e é isso que vai mudar”, alerta Constantino. “Pode ser mantida em circuito fechado em Espanha”, argumenta. “Depende agora do comportamento da Iberdrola (empresa espanhola de exploração de energia) e das condições que forem impostas pelos governos espanhol e português”, acrescentou.
Segundo aquele responsável da proTEJO, poderá também estar em causa, com as centrais hídricas reversíveis espanholas, uma perda de qualidade da pouca água que continuará a chegar a Portugal. “O que sabemos é que o que tem acontecido, é água muito eutrofizada a chegar e também volumes de algas cianobactérias, que podem produzir cianotoxinas. Isso está tudo na queixa que fizemos”, afirmou.
Além do alerta à CE para o alegado “incumprimento do direito comunitário e nacional por ausência de implementação de um regime de caudais ecológicos na barragem de Cedillo”, o proTEJO estendeu o apelo aos municípios da bacia do Tejo, às suas comunidades intermunicipais (Lezíria do Tejo, Médio Tejo, Beira Baixa e Alto Alentejo) e à área metropolitana de Lisboa (AML), para que “tomem uma posição de responsabilidade exigindo aos governos de Portugal e Espanha a implementação de um regime de caudais ecológicos” naquele rio internacional. E transmitiu essas mesmas preocupações e reivindicações, através de uma carta aberta, à Ministra do Ambiente e Energia.
Ministério diz que esta a ser cumprida a Convenção de Albufeira
O JN questionou o ministério sobre o assunto, que respondeu que o regime de caudais exigido pela Convenção de Albufeira está a ser cumprido. “Exige um regime de caudais, que obriga ao cumprimento de um volume mínimo anual, em linha com as disposições comunitárias e nacionais nesta matéria. No caso da bacia do Tejo, estabelece ainda a um volume mínimo trimestral e semanal”, explica fonte daquele ministério, referindo que “a regularização que atualmente se verifica na bacia do Tejo, tanto em Espanha como em Portugal, implica a necessidade de definir regimes de caudais ecológicos (RCE) que permitam garantir a manutenção das várias funções agregadas ao rio, nomeadamente o bom estado das massas de água”.
Na resposta, o ministério indica ainda que “a zona de fronteira caracteriza-se por um conjunto de três barragens em cascata - Cedillo, Fratel e Belver – e, nesse sentido, o lançamento de caudais ecológicos deve ser refletido na última barragem da cascata, através das afluências de montante”. E que, no caso da bacia portuguesa, “de acordo com dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) – na qualidade de Autoridade Nacional da Água –, estão a ser lançados caudais ecológicos nas barragens de Castelo do Bode e Pracana”.
Fonte oficial do Ministério do Ambiente e Energia, informa ainda que “as relações entre Portugal e Espanha no domínio dos recursos hídricos estão enquadradas pela Convenção de Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso–Espanholas, conhecida como Convenção de Albufeira, desde 1998”.
E que a mesma “integra as disposições da Diretiva-Quadro da Água (DQA), transpostas pela Lei da Água (Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro) na sua redação atual, criando assim um quadro de cooperação e coordenação para a proteção das massas de água, dos ecossistemas aquáticos e terrestres, e para o uso sustentável dos recursos hídricos”. Conclui que, no quadro da referida convenção em vigor, “é realizado todo um trabalho contínuo de articulação (ao nível do planeamento, da gestão, da vigilância, dos alertas e da melhoria dos mecanismos de cumprimento do regime atual de caudais) e de adequação do regime de caudais ecológicos às exigências da DQA”.