Menos de metade dos Centros de Dia estarão a funcionar, devido às condições impostas pela Direção-Geral da Saúde para a sua reabertura, autorizada desde 15 de agosto.
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A ausência prolongada desta resposta social está a produzir efeitos nefastos na saúde física e mental dos idosos e a fazer, até, com que alguns sejam integrados em lares.
Segundo Lino Maia, que preside à Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade, entre os mais de 1500 centros tutelados pelo organismo e pela União das Misericórdias Portuguesas, "menos de metade estão a funcionar". "Reabriram sobretudo os que funcionam de forma independente de outras respostas sociais", diz Manuel Lemos, presidente das Misericórdias.
As portas dos centros de dia foram fechadas pela pandemia a 16 de março e, para milhares de utentes, continuam sem abrir até hoje, quando se assinala o Dia Internacional do Idoso. Já lá vão 198 dias privados destas estruturas de apoio, para muitos "o principal - se não o único - elo de ligação ao mundo além da televisão", afirma Óscar Ribeiro, professor na Universidade de Aveiro e investigador do investigador no Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS). "E sabe-se que o isolamento social e a solidão nestas idades estão associados a resultados negativos de saúde mental - aumento de sintomas depressivos e de ansiedade - e ao risco acrescido de hipertensão, doenças cardiovasculares, obesidade...", explica.
Famílias pressionadas
Sem atividades de estimulação, as suas funções cognitivas são prejudicadas, "seja ao nível da atenção, da memória ou da orientação espacial e temporal - há quem tenha deixado de saber os dias da semana, os meses do ano ou de conseguir identificar os familiares", observa Filipa Luz, presidente da Associação Nacional de Gerontólogos.
Para as pessoas com demência, alerta Óscar Ribeiro, a situação é "particularmente difícil". "Esta alteração pode implicar uma redução significativa na capacidade funcional e um agravamento do estado cognitivo e emocional. Pode até exacerbar alguns sintomas neuropsiquiátricos já existentes." E "não só as vidas destas pessoas foram afetadas, as dos seus cuidadores também", pois passaram a cuidar delas durante 24 horas, "muitas vezes sem competências para o fazer."
Em alguns casos, diz a vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, Maria dos Anjos Catapirra, a demência avançou de tal forma que as famílias "vão ter que arranjar locais onde os possam internar, pois deixaram de ter condições para tomar conta deles."
A institucionalização é inevitável. "Houve pessoas que, face ao declínio do estado de saúde, acabaram mesmo por ter que integrar os nossos lares", conta a Carla Cidade, coordenadora de um dos centros da Misericórdia de Vila Nova de Gaia. Essa foi também solução para quatro utentes da instituição de Barca, gerido pela Misericórdia da Maia, diz Cristina Couto.
O JN questionou o Ministério da Segurança Social sobre quantos centros se mantêm fechados, mas não obteve resposta.
Estou triste. Está a fazer-me muita falta
É à varanda de casa, a espreitar o movimento da rua, que Fernanda Jesus Ferreira tem passado os dias. Levanta a roupa para mostrar as pernas bronzeadas e provar as horas seguidas que ali está ao sol. Aos 78 anos, a pandemia empurrou-a para casa, em S. João da Madeira, onde vive sozinha, e deixou-a sem centro de dia. A ACAIS - Associação Centro de Apoio aos Idosos Sanjoanenses continua sem reabrir para desgosto de Fernanda.
"Faço a minha vidinha conforme posso, mas quando estava no centro de dia, estava bem. Estou muito triste, está a fazer-me muita falta".
Entre os seis filhos, só Isabel Sousa lhe dá apoio, mas não entra em casa da mãe. Por receio. "Trabalho com atendimento ao público e tenho que a resguardar. Trago-lhe bens essenciais, mas nem ao fim de semana a levo a comer lá a casa. Para a proteger. Ela é doente oncológica e tem problemas respiratórios".
O sorriso e a alegria de Fernanda disfarçam as mazelas que a luta contra um cancro lhe deixou. Foi contra a vontade que, por ordem da filha, foi para o centro de dia. "E agora não quero outra coisa. Foi a melhor coisa que a minha filha me podia ter dado". Sabe de cor o dia em que deixou de ir.
"Era sexta-feira, 6 de março. Desde então que estou em casa, é chato e aborrecido. Lá tomava banho, tinha cabeleireiro, almoço, medicação a horas, fazia ginástica. Já estava habituada. Vinham buscar-me e tudo, era uma maravilha", conta a utente. Agora, divide-se entre a varanda e a televisão.
Ainda é autónoma, como diz a filha, "sabe-se desenrascar". Mas também Isabel teve que adaptar a sua vida. "A sorte é que tenho flexibilidade de horários, senão tinha que pedir baixa. Sempre que acontece alguma coisa, consigo vir logo aqui. E vou pedindo à vizinha para a ir vigiando também".
O maior problema, diz, é manter a mãe ocupada. "Ela agora está muito mais sozinha. No centro de dia sabia que ela estava acompanhada". Da instituição vão ligando para saber se está tudo bem e a instituição continua a ajudar na separação da medicação. "Ela toma 14 medicamentos por dia e não é fácil", diz a filha.
Apoio domiciliário a 50%
Segundo Patrícia Coelho, diretora técnica da instituição, não há previsão para a reabertura. Ainda estão a definir circuitos. "Os compartimentos são reduzidos. E estamos a tentar adaptar-nos aos critérios". Mas a instituição mantém o apoio domiciliário a metade dos 40 utentes. E a reabertura não será para todos.
"Não temos possibilidade de receber todos. Provavelmente vamos começar por aqueles que são mais dependentes e que não têm retaguarda familiar".