É uma beleza sinistra, aquela que brota das fachadas coloridas do Centro Histórico projetado pelo arquiteto Fernando Távora em Guimarães.
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Onde outrora existiu uma movida desenfreada que parecia não ter rédeas, agora há um silêncio aflitivo. O quadro repete-se nas zonas classificadas de norte a sul do país, o que levou ao cancelamento dos festejos do Dia Nacional dos Centros Históricos Portugueses, que hoje se assinala.
A entrada nos museus era gratuita, as câmaras tinham atividades e a Associação Portuguesa dos Municípios com Centros Históricos festejaria em Tavira, de forma oficial, esta espécie de 10 de Junho do património em Portugal. Foi tudo cancelado. "As preocupantes circunstâncias em que vivemos convocam a afetação de todas as nossas energias, conhecimento, capacidade operacional e recursos", explica Hugo Pereira, presidente da Câmara de Lagos e da associação que congrega os municípios que têm centros históricos. É a primeira vez que a efeméride não se celebra desde que foi instituída, em 28 de março de 1993.
Um olhar por Guimarães ajuda a perceber porquê. Na Praça de S. Tiago as esplanadas estão amontoadas, as janelas fechadas, ouvem-se os pássaros de forma perfeita, um espanta-espíritos tilinta ao longe e a única coisa que mexe é a roupa estendida nas varandas de madeira. Ao lado, no Largo da Oliveira, só as pombas ocupam os passeios. Elas e o funcionário da Câmara que desinfeta as ruas, protegido da cabeça aos pés contra o maldito coronavírus.
Fugiram todos dele. Todos, menos os que sempre ali moraram. Gracinda Ferreira nasceu no Centro Histórico há 69 anos e nunca viu a praça assim: "Era tudo cheio até às duas da manhã. Agora está tudo vazio. Antes queria o barulho que esta pandemia".
"Cindinha", como carinhosamente lhe chamam as vizinhas, trabalhou a vida toda no cinema São Mamede e agora está presa em casa com a filha, genro e neta universitária. Há poucos meses, o filme era muito diferente, mas nem tudo mudou. "Às vezes, dá-me assim uma coisa e vou ali abaixo ao supermercado. Eles berram-me, não querem que eu vá e trazem-me tudo. Mas, olhe, é a dez minutos daqui, venho num instante", justifica.
Os dias são passados na sessão diária de ginástica que ajuda contra a diabetes, a falar por telefone com a irmã e sobrinhas ou na companhia da televisão cujas notícias não animam. "Fico doente de ver a Espanha e a Itália. Fico doente. É muita gente a morrer. A ir que vá eu, agora a minha netinha que está na universidade, não", entristece, antes de compor o sorriso e olhar para cima: "É preciso ter fé".
Pormenores
Distinções - A Associação Nacional de Municípios com Centro Histórico cancelou as celebrações oficiais em Tavira, mas vai entregar a medalha de ouro ao município e o Prémio Memória e Identidade ao arqueólogo Cláudio Torres.
Alexandre Herculano - O Dia Nacional dos Centros Históricos Portugueses, que se assinala hoje, marca o aniversário do escritor, historiador, jornalista e poeta Alexandre Herculano, que tanto defendeu o património nacional.
Castelo de Vide - Foi a última cidade a acolher as celebrações. Primeira foi Lisboa, em 1993.