Dificuldade em conseguir tratamentos leva a que apenas 80 tenham recuperado nos primeiros quatro anos da sala de consumo assistido.
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Aberta há quatro anos, a sala de consumo assistido de drogas é frequentada, todos os meses, por cerca de 590 pessoas diferentes, para consumir, sobretudo, heroína e cocaína. Os dados são avançados ao JN por Elsa Belo, diretora técnica da Ares do Pinhal – Associação para a Inclusão Social, organização não governamental responsável pelo funcionamento do espaço. Dos 3253 toxicodependentes inscritos até ao momento, cerca de 30% manifestam interesse em sair desse mundo, mas não existem respostas para todos.
“Cerca de 30% das pessoas está interessada em tratamento, mas tem havido uma extrema dificuldade, porque as listas de espera são grandes, há muita burocracia, e falta de respostas adequadas”, lamenta Elsa Belo. “A motivação para o tratamento é trabalhada diariamente por toda a equipa técnica, só que encaminhamos os processos para as equipas de tratamento (antigos centros de atendimento a toxicodependentes), às quais pedimos consultas, mas chegam a demorar seis meses a dar resposta, quando era necessário que fossem rápidas e atempadas, face à escalada de destruição em que as pessoas vivem.”
Até ao momento, a Ares do Pinhal conseguiu contribuir para a recuperação de uma média de 80 toxicodependentes, ou seja, 20 por ano, número considerado insuficiente pela diretora técnica. “Sentimos que a falta de resposta vai acumulando o número de casos, mas não encontramos formas de escoamento das pessoas daquele contexto em que se encontram”, assegura. “Há um processo de estrangulamento que pode ser perigoso, do ponto de vista social e de saúde pública”, alerta.
Apesar disso, refere que há pessoas em centros de acolhimento, onde prevê que exista uma continuidade ao pedido de tratamento das adições. A heroína e a cocaína (crack) são as drogas mais consumidas pelos utentes da sala de consumo assistido, onde existem 18 lugares para consumo fumado e oito lugares de injeção em simultâneo. “A título de exemplo, no ano de 2024, registámos 17 143 consumos injetados e 37 839 consumos fumados, dentro das instalações”, revela. “Isto traduz-se em número de episódios seguros, longe de olhar e exposição pública, com uma abordagem educacional e higiénica”, sublinha. “E é sempre um convite à reflexão da situação em que a pessoa se encontra, pela relação de proximidade que a equipa tem com elas”.
A diretora técnica da Ares do Pinhal não esconde, porém, a dificuldade em captar novos técnicos para a sala de consumo. “A rotatividade constante da equipa não ajuda à construção da relação e à estabilidade da resposta”, reconhece. “Apesar da atenção que tem vindo a ser dada a esta estrutura, temos de trabalhar a clara e urgente melhoria das condições de trabalho das pessoas que aqui estão diariamente, dado o desgaste da atividade, a pressão e a frustração que este tipo de população e intervenção obriga”, adverte.
Todos os meses surgem 60 novos casos
A diretora técnica da Ares do Pinhal, Elsa Belo, tinha a expectativa de que o número de inscrições na sala de consumo assistido fosse “diminuindo de forma drástica” com o tempo, mas sucedeu precisamente o contrário. “Temos uma média de 60 novas inscrições por mês”, revela. “Nos primeiros anos, é natural que fossem mais elevadas, mas continuam a surgir novos casos. Estamos em maio, e já vamos em 238 pessoas. Será que nunca mais pára?”, questiona.
Entre maio e dezembro de 2021, inscreveram-se no espaço 903 toxicodependentes, no ano seguinte mais 801, em 2023 mais 691, e no ano passado outros 620. Ou seja, no total, há 3253 pessoas inscritas. “Sentimos necessidade de alargar a resposta, como forma de responder a todas as solicitações, pois continua aquém da necessidade”, alerta.
Elsa Belo defende ainda o alargamento do horário de funcionamento da sala de consumo, que está aberta das 10 às 19 horas. “Queríamos abrir mais cedo e fechar mais tarde, pois quando chegamos há imensas pessoas à espera e, como o espaço não dá para todos, consomem na rua”, refere. “Os vizinhos estão sempre a queixar-se, porque ninguém quer aquela situação no bairro”, conta.
“Temos de nos sentar com as entidades responsáveis e pensar em formas alternativas e criativas de combater este flagelo”, sugere. Convicta de que esta resposta tem contribuído para um retorno do investimento para o Estado, ao prevenir doenças infeciosas crónicas (como o VIH), nos utilizadores e na comunidade, argumenta que também evita internamentos hospitalares dispendiosos. “Reduz ainda a criminalidade, a mendicidade, e contribui para a ordem pública e para a paz social”, acrescenta.