No ano passado, 29,79% dos partos realizados no SNS foram por cirurgia. Tendência preocupa os médicos que alertam para maternidades tardias.
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Pelo terceiro ano consecutivo, a taxa de cesarianas nos hospitais públicos voltou a subir. No último ano, 29,79% dos partos realizados no Serviço Nacional de Saúde foram com recurso a intervenção cirúrgica. É o valor mais alto desde 2013, quando estava acima dos 30%. A tendência preocupa os médicos, que apontam o aumento das maternidades tardias e o excesso de peso das grávidas como possíveis causas. A que se soma a falta de recursos.
De acordo com os dados do Portal da Transparência, em 2019 a taxa de cesarianas aumentou 1,44 pontos percentuais face ao ano anterior. Uma subida não proporcional ao número de partos. No ano em análise foram realizados apenas mais 13 partos (+0,02%), enquanto o número de cesarianas subiu 5%, com mais 1001 intervenções cirúrgicas.
Sendo que estes dados reportam às unidades públicas, que, em 2018, respondiam por 73,2% dos partos realizados em Portugal. O remanescente diz respeito às unidades privadas, onde apenas um terço dos partos são vaginais. Valores que os especialistas consideram um "disparate".
Ao JN, o antigo presidente da Comissão Nacional para a Redução da Taxa de Cesarianas mostra-se preocupado com os valores de 2019. "Porque, se sobe um ano, pode ser algo ocasional, mas três anos seguidos já indica que as coisas não estão a correr no sentido que nós queremos", afirma Diogo Ayres de Campos, considerando a taxa de 29,79% "muito preocupante". Na medida em que se parece "estar a resvalar para números de 2013".
Entre as várias causas possíveis para estes números, o também diretor do Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar Lisboa Norte destaca a "falta de recursos e o excesso de horas extraordinárias", entendendo que a "estabilidade das equipas pode ter influência". Mas também o facto de "algumas pessoas que trabalham no público e no privado trazerem para os hospitais públicos alguns dos pensamentos do privado".
O peso e o risco da idade
Depois, acrescenta a diretora do Serviço de Urgência de Ginecologia/Obstetrícia do Hospital de S. João, a evidência de que as grávidas de hoje não são as mesmas de há dez anos. "São mais velhas, com mais patologias e mais gordas", frisa Marina Moucho. Os números do S. João, com uma taxa de 29,32%, assim o demonstram: dos 2336 partos realizados no ano passado, 15,5% foram de grávidas obesas e 34,2% de mulheres com mais de 35 anos. Com taxas de cesarianas, respetivamente, de 36% e 37%, precisa aquela especialista em Medicina Materno-Fetal. A que se juntam patologias como a hipertensão e a diabetes.
O diretor do Centro Materno Infantil do Norte, unidade com mais partos na região, acrescenta "o aumento da macrossomia fetal", isto é, de bebés que nascem com mais de quatro quilogramas. "Temos uma percentagem significativa de bebés que nascem com quatro a cinco quilos", diz Jorge Breda, recordando o parto, por cesariana, de um bebé com 5,300 quilos.
O aumento dos partos gemelares também pesa. No S. João, dos 53 realizados em 2019, perto de 70% foram por cesariana. Marina Moucho destaca, por último, o facto de haver mais partos pélvicos, em que o bebé está sentado. "É preciso muita experiência. Quase todos são por cesariana".
Nas unidades privadas, só um terço dos partos são vaginais
Não é uma realidade nova. E tem vindo a aumentar de ano para ano. Nos hospitais privados, a taxa de cesarianas atingiu, em 2018, os 66,3%. O dobro do registado no público. Se no Serviço Nacional de Saúde os partos vaginais representam 70% do total, nos privados a proporção é inversa. Apenas um terço o são.
"É um disparate", considera a obstetra Marina Moucho, lembrando questões culturais, com partos "à la carte": "O parto como queremos, com quem queremos". Numa opinião que frisa ser pessoal, Marina Moucho entende que a mudança pode ser feita pelo lado das companhias de seguros. "Um parto vaginal que dura dez horas custa metade de uma cesariana. O pagamento devia ser igual. Se, de facto, se tratar de um desígnio nacional, tinha que ser pensado assim". Tanto mais que, lembra Diogo Ayres de Campos, tem "repercussões em toda a saúde da população".
Os riscos de uma cesariana - necessária em situações em que há risco para a mãe e para o bebé - são conhecidos. Mas devem ser recordados. "A cesariana apresenta um maior risco de infeção, de ruturas do útero em trabalho de parto, de placentas prévias", explica a responsável do S. João. Depois, adianta Jorge Breda, do CMIN, "as cesarianas podem ter mais implicações na maternidade materna", que disparou em 2018, para uma taxa de 17,2 óbitos de mulheres por cada 100 mil nados-vivos.
O JN solicitou um comentário à Direção-Geral da Saúde, mas não obteve resposta em tempo útil.
A saber
30%
O Governo definiu um limite - 30% - a partir do qual os hospitais deixam de ser pagos pelos respetivos episódios de internamento. No ano passado, 17 ultrapassaram essa fasquia.
Nova taxa mais elevada da OCDE
De acordo com o mais recente "Health at a Glance - 2019", Portugal tinha a 9.ª taxa mais alta de cesarianas da OCDE: 32,5% (contando com os privados), contra uma média de 28,1%.
Das mais velhas da UE a terem filhos
As portuguesas estão entre as mulheres da UE que mais tarde têm um filho: 31,4 anos é a idade média ao nascimento de um filho.