O partido de André Ventura decidiu avançar com uma queixa-crime contra o presidente da República, na sequência de declarações sobre reparações às antigas colónias portuguesas. A iniciativa deve esbarrar no Parlamento.
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André Ventura anunciou, esta terça-feira à tarde, que o Chega vai avançar com uma queixa por crime de "traição à pátria" contra Marcelo Rebelo de Sousa. Em causa estão as declarações do chefe do Estado, num jantar com jornalistas estrangeiros, há duas semanas, sobre sobre Portugal liderar um processo de reparações históricas face ao período de colonialismo, sugerindo como exemplo o perdão de dívidas às ex-colónias.
"O Chega tomou hoje a decisão de avançar com um processo contra o presidente da República, por traição ao seu país e por traição à nossa Constituição", disse o líder do partido, indicando que o Chega tomou esta decisão "a pensar naqueles que se sentiram profundamente afetados, injustiçados e que se sentiram agredidos pelas palavras" de Marcelo.
André Ventura argumentou que "nunca um chefe de Estado português, em 900 anos de História, decidiu fazer um exercício de autoresponsabilização dos seus soldados, das suas Forças Armadas, dos seus cidadãos", considerando que Marcelo Rebelo de Sousa "deixou de representar o interesse nacional e passou a representar o interesse de outros Estados".
"Se nós não nos levantássemos hoje para dizer que isto é errado, que isto é um atentado e uma traição ao país e à Constituição, nós não ficaríamos bem connosco próprios, mesmo sabendo da gravidade do momento, da gravidade da acusação e daquilo que serão os procedimentos que terão que ser tomados", defendeu, considerando que "independentemente da questão jurídica, há uma censura política que não podia deixar de acontecer".
Pareceres de quatro juristas
Para a decisão de avançar para tribunal contribuíram quatro juristas e professores de direito, disse o líder do Chega aos jornalistas, no Parlamento, no fim de uma reunião do grupo parlamentar, sem revelar a identidade das personalidades, por "razões de confidencialidade". Os pareceres foram recebidos depois de Ventura, também ele jurista, ter manifestado "dúvidas sobre a tipicidade penal do comportamento do presidente da República”. No domingo, tinha defendido, numa conferência de imprensa na sede do partido, que uma ação criminal merecia "ser ponderada”, admitindo, no entanto, que as afirmações de Marcelo pudessem não ter “consistência jurídica”.
No domingo, o presidente do Chega tinha dito que o partido só avançaria se existisse "consistência jurídica" e indicou que iria pedir a opinião de "alguns juristas e constitucionalistas" e reunir-se com os deputados antes de tomar uma decisão.
"É verdade que algumas pessoas que ouvimos entenderam que era politicamente criminoso, mas não juridicamente ilícito e, portanto, entendiam que não seria de avançar nestes termos. Outros entendiam que se podia avançar com um procedimento, mas não exatamente de natureza criminal, mas de outra natureza, cível ou administrativa, contra o Presidente da República e outros entendiam que este procedimento constitucional era o que é mais adequado", elencou hoje.
Iniciativa não deve passar no Parlamento
O líder parlamentar, Pedro Pinto, vai transmitir a decisão do partido ao presidente da Assembleia da República, "nos termos do artigo 130.º da Constituição", para que, "visto nunca ter sido aplicado, se tomem as diligências necessárias que esta Assembleia terá que tomar nos próximos dias para que o processo tenha avanço, para que seja analisada a acusação e para que se chegue a um debate e a uma discussão em plenário".
O Chega tem deputados suficientes para avançar com a iniciativa, mas esta só seria aprovada se tivesse o apoio de PS e PSD, partidos que já indicaram ser contra.
A Constituição, no artigo 130.º, relativo à responsabilidade criminal do Presidente da República, estipula que "por crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça" e que "a iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções".
O art. 308.º do Código Penal estabelece que comete o crime de traição à pátria "aquele que, por meio de usurpação ou abuso de funções de soberania: a) tentar separar da Mãe-Pátria ou entregar a país estrangeiro ou submeter à soberania estrangeira todo o território português ou parte dele; ou b) ofender ou puser em perigo a independência do país".