O comissário europeu da Agricultura, Christophe Hansen, defende que os apoios da futura Política Agrícola Comum (PAC) devem ser direcionados “para quem mais precisa”, dentro do setor, elegendo “os jovens, as explorações familiares e as regiões com limitações naturais”, como principais beneficiárias dos fundos da PAC.
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Christophe Hansen fala da produção agrícola como uma “arma geopolítica”, que deve continuar a ser apoiada para garantir a autonomia europeia. O comissário iniciou ontem uma visita de dois dias a Portugal, devendo estar hoje presente na inauguração da Feira Nacional de Agricultura, em Santarém. Em entrevista ao JN e à TSF, o comissário aborda também o futuro das verbas da PAC, quando a Europa enfrenta pressões para investir em defesa.
Já visitou 18 estados-membros. O que encontrou até agora? O que mais o surpreendeu?
A agricultura europeia é muito rica. Com grande diversidade, incluindo dentro do mesmo país, de uma região para outra, há realidades distintas. Os estados-membros do Leste têm, em muitos casos, explorações de grande escala. Em países como a Eslovénia ou Itália, predominam pequenas explorações. É importante conhecer isto. E, quando se viaja para a Suécia e para o Chipre, na mesma semana, podemos ver diretamente a diversidade que temos.
Qual a situação mais difícil que encontrou no setor agrícola da UE?
Nos países que fazem fronteira com a Rússia a situação é muito exigente. Receiam a ameaça e é uma questão muito sensível. Na Finlândia, mais de 1300 km de fronteira com a Rússia, imagine-se se não houvesse agricultura e produção alimentar nessas regiões fronteiriças. A agricultura desempenha um papel estratégico. Estas regiões dependem da agricultura, da silvicultura e da bioeconomia para continuarem viáveis. Essa é a função da Política de Desenvolvimento Rural, mantendo a população, equipamentos, serviços e infraestruturas.
O que diria aos agricultores que receiam perder fundos da UE, por mudanças na PAC, por uma eventual fusão com a política de coesão, ou por um orçamento europeu mais pequeno?
Será preciso reembolsar os fundos do NextGenerationEU. O meu desejo seria que os agricultores apelassem aos governos um pouco mais para o orçamento comum, para evitar perdas. Depois, temos de usar os recursos disponíveis de forma mais direcionada, apoiando quem mais precisa. E, para mim, é claro que são os jovens agricultores. É urgente trazer uma nova geração para os campos – menos de 12% dos agricultores da UE têm menos de 40 anos, e Portugal segue esta tendência. O apoio deve focar-se nos jovens, nas explorações familiares e nas regiões com limitações naturais, onde a produção é mais difícil do que noutras zonas.
Está a pensar em incentivos à renovação geracional, sobretudo no sul, como Portugal?
Esta é uma competência partilhada e o orçamento da PAC é limitado. Os estados-membros também têm aqui um papel fundamental. Na Áustria – onde 24% dos agricultores têm menos de 40 anos, que é o dobro da média europeia –, há uma aposta forte na educação agrícola. Têm muitas escolas no setor, muita procura de jovens, e oferecem-lhes condições para inovar. A componente educativa é essencial, mas está mal distribuída na UE, porque a educação é uma competência nacional. A Áustria tem ainda um regime de reforma antecipada para libertar terras para os mais novos.
Qual é o ponto de situação das negociações comerciais com os EUA? O que pode a Comissão fazer para proteger o setor agrícola?
Os agricultores europeus e portugueses podem contar com a abordagem construtiva da Comissão Europeia. Estamos convencidos de que, se não for alcançado um acordo com os Estados Unidos, isso terá impacto no nosso setor agrícola, mas também, na nossa economia em geral. Queremos evitar a imposição de tarifas. A nossa prioridade é negociar com os EUA e desanuviar o conflito. É preciso vontade dos dois lados. Sem acordo, todos sairemos prejudicados.
Alguns setores agrícolas receiam ser usados como moeda de troca nas negociações. Pode garantir que isso não vai acontecer?
Os agricultores podem contar comigo como seu representante. É fundamental tirar proveitos das trocas internacionais, mas protegendo os nossos agricultores da concorrência desleal. Queremos reciprocidade no comércio internacional e lançámos uma rede de segurança com financiamento para responder a choques geopolíticos.
Com o aumento do investimento em defesa, pode garantir que o financiamento agrícola não será reduzido?
A PAC cumpre os objetivos consagrados nos Tratados: segurança alimentar, rendimento dos agricultores e preços acessíveis. Deu provas de eficácia. Defendo a manutenção de todos os instrumentos da PAC e da sua capacidade financeira, porque os desafios atuais são maiores do que antes. Os agricultores contribuem também para a segurança energética e até física, especialmente nas zonas de fronteira. Os produtos agrícolas são hoje uma arma geopolítica, e é crucial mantermos a nossa autonomia na produção. A Europa deve continuar a controlar a quantidade e a qualidade dos seus alimentos.