O rapper e ativista Chullage - nome artístico de Nuno Santos - foi um dos dinamizadores da manifestação do movimento "Vida Justa", ocorrida este sábado, em Lisboa.
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Em 2012, em plena "troika", Chullage lançou "Rapressão", um dos álbuns de cariz mais interventivo que a música portuguesa viu nascer nos últimos anos; agora, diz que o país está ainda pior do que nessa altura. Garante que há "muita fome envergonhada", embora a Lisboa "cor-de-rosa do turismo" tente escondê-la. "Há pessoas que têm de contar quantas batatas vão comprar" e outras que almoçam mas não jantam, denuncia o rapper.
Que motivos o levaram a juntar-se ao Vida Justa e a dinamizar esta manifestação?
Estamos a viver uma situação impossível face ao aumento do preço de tudo. Já não bastava a especulação nas casas, o aumento das rendas que se está a fazer sentir em todo o lado; agora, também há o aumento do preço da energia e dos alimentos. Temos estado [o coletivo "Peles Negras, Máscaras Negras", a que pertence] a monitorizar o preço de um cabaz [de bens essenciais] que, em três semanas, aumentou de 36 para 51 euros. Esta especulação de todo o tipo de preços tornou impossível viver condignamente. Portugal está a tornar-se um país só para os ricos e nós não vamos aceitar isso, vamos lutar.
Quais são as maiores dificuldades que se vivem, atualmente, na periferia de Lisboa?
Antes, com 100 euros, ias ao supermercado e enchias o carrinho. Agora, nem trazes dois sacos. As rendas das casas, na zona onde eu moro [Margem Sul], eram 200 e tal euros, neste momento são 700. As pessoas estão a ser escorraçadas de Lisboa, moram a duas horas dos locais onde trabalham e os transportes, além de chegarem tarde, vão cheios. Há todo um conjunto de situações que está a tornar a vida impossível.
Fez um vídeo de apelo à participação na manifestação no qual denuncia a degradação da vida nas zonas periféricas da capital. Há fome nos bairros?
Claro que há fome! E não é só nos bairros, é nas cidades. Há muita fome envergonhada e escondida. Quem vive no centro de Lisboa se calhar não nota isso, mas quem andar à volta percebe que há. Não só nos bairros, mas em todo o lado em que as pessoas têm de pagar estas rendas, que as fazem deitar contas à vida. Há pessoas que têm de contar quantas batatas vão comprar, quantas latas de conserva vão comprar, quais os medicamentos que compram ou não. Pessoas que, neste momento, não tomam o pequeno-almoço para dar aos filhos ou pessoas que, se almoçam, não jantam. Esta é uma realidade deste país, embora esta cidade cor-de-rosa do turismo não o queira mostrar.
Em 2012, em plena troika, lançou um álbum muito crítico da situação que então se vivia. Dizia, entre muitas outras coisas, que Portugal "nunca esteve assim". E hoje, como está o país?
Está pior. A "troika" retirou-nos coisas que nunca mais foram repostas. Agora, a pandemia e a guerra fizeram o mesmo. Os ricos e a finança usam estas questões para enriquecer mais e para retirar direitos que não serão repostos. Agora, em 2023, estamos muito pior, sim.