O Orçamento do Estado foi esta quarta-feira chumbado num desfecho histórico que arrasta o Parlamento, mas que se tornou previsível pelo braço de ferro dos últimos dias.
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O primeiro-ministro mostrou-se disponível para governar em duodécimos, mas garantiu que aceitará se o presidente da República convocar eleições antecipadas. E, tentando capitalizar o que classificou como "derrota pessoal", disse esperar a conquista de uma "maioria reforçada e duradoura". A crise política está instalada e Marcelo Rebelo de Sousa ouve os partidos no sábado.
António Costa disse não entender o chumbo de um OE cujas medidas representariam um encaixe de 1113 milhões de euros para as famílias, entre alterações aos escalões no IRS, abonos, reforço de pensões e aumentos de 0,9% na Função Pública. As propostas recusadas do BE acrescentavam, por sua vez, apenas 140 milhões de euros, relativos ao fator de sustentabilidade das pensões.
Já as do PCP, que incluíam a subida do salário mínimo para 850 euros, não tinham custos calculados. Mas o grande cavalo de batalha (a caducidade da contratação coletiva) não tinha custos.
"Vitória de Pirro"
No encerramento, quando o chumbo já era esperado, Costa lembrou os 2,7 milhões que votaram na geringonça, expressando o desejo de que a "frustração" de todos esses eleitores "possa converter-se numa maioria reforçada, estável e duradoura". "Confio que a vitória da Direita seja uma vitória de Pirro", disse.
Com os votos contra de BE, PCP e Verdes, além do chumbo à direita (PSD, CDS, Chega e IL), é o fim da geringonça. O PAN decidiu abster-se - atacando quem "abandonou o barco" - bem como as deputadas não inscritas, Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira. Só PS votou a favor.
Costa já recusou demitir-se. "Podem contar com o Governo para continuar a assegurar a governação do país, mesmo nas condições mais adversas de não dispormos de um Orçamento", garantiu. Porém, Marcelo repetiu que um chumbo do OE implicaria antecipar eleições em cerca de dois anos: "se a Assembleia entende que não está em condições de aprovar um Orçamento fundamental para o país, há uma coisa positiva que é devolver a palavra aos portugueses". O facto de Costa dizer que espera "maioria reforçada", neste caso absoluta, pode indiciar que não se importa de ir a votos.
"Geringonça vai morrer"
O líder do PS disse que Rio "foi claro" ao "explicar o que seria um OE de Direita" e acusou PCP, PEV e BE de impedirem os avanços conseguidos neste "bom OE" e "melhorias" na especialidade. De consciência "tranquila" porque fez "tudo ao seu alcance", assegurou que não pediu "um cheque em branco".
Com "orgulho" da geringonça, assumiu que o facto de esse ciclo ter sido "prematuramente fechado" significa uma "derrota pessoal", mas regozijou-se por ter ficado provado que a Esquerda "não está condenada ao protesto".
Costa acusou ainda os parceiros de negociação de terem chumbado o OE em troca de exigências, como a legislação laboral. Do BE, disse ter uma "única medida" relativa ao Orçamento.
Catarina Martins, coordenadora do Bloco, defendeu que "a geringonça foi morta por uma obsessão pela maioria absoluta", enquanto João Oliveira, líder parlamentar do PCP, recusou "um guião de passar culpas". "A geringonça vai morrer", vaticinou, por sua vez, Rui Rio.
A confirmar-se a dissolução, será a primeira vez que o chumbo do OE provoca eleições. E é a oitava vez que um presidente o dissolverá. Só por uma vez o partido que estava no poder se manteve (o PSD, em 1987), sendo que foi, também, a única ocasião em que o Executivo passou de minoritário à maioria absoluta.
Com o chumbo do OE, o presidente da República revelou os próximos passos que irá dar até decidir se dissolve o Parlamento e convoca eleições. Ontem à noite, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu, em Belém, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e o primeiro-ministro, António Costa, e amanhã recebe os parceiros sociais. No site da Presidência, o chefe de Estado revelou que ouvirá os partidos no sábado e convocou uma reunião especial do Conselho de Estado para quarta-feira.
1113 milhões congelados
IRS - 205M€
Desdobramento de escalões, alargamento do IRS Jovem e do programa Regressar e o aumento da majoração por dependente a partir do segundo filho custariam 205 milhões. Aumento extraordinário do Mínimo de Existência em 200 euros, abrangendo mais cerca de 170 mil pessoas com isenção de IRS.
Abono - 70M€
Criação da Garantia para a Infância com aumentos para o 1.º º e 2.ºº escalões de abono, o complemento para menores em risco de pobreza extrema e o complemento que assegura 600€ por criança/ano.
Pensões - 600M€
O Governo começou com uma proposta de um aumento extraordinário de 10€ para as pensões abaixo de 658€ só em agosto, mas reviu, em proposta ao PCP, o mesmo aumento a iniciar-se já em janeiro e para reformas até 1097€.
Aumentos - 225M€
Aumento prometido para a Função Pública de 0,9% acompanharia a inflação. Decisão fica para o próximo Governo.
IAS - 12,8M€
A atualização do Indexante de Apoios Sociais para 442,7€ custará 12,8 milhões de euros, refletido na subida de mínimos e máximos para os subsídios de desemprego, doença, parentalidade, RSI e isenção de taxas moderadoras.
TAP e CP vão ter de sobreviver sem 2,8 mil milhões
TAP e CP somavam apoios de quase 2,8 mil milhões de euros que seriam aplicados mal entrasse em vigor o novo Orçamento do Estado (OE) para 2022. Com o chumbo do documento, concretizado ontem no Parlamento, as verbas previstas para as duas empresas públicas não podem avançar, segundo especialistas de política orçamental ouvidos pelo JN.
"A capitalização da TAP e da CP não cabe numa gestão orçamental de duodécimos. Teremos novo OE lá para abril. Auguro grandes dificuldades para estas empresas até lá", disse Paulo Trigo Pereira, ex-deputado independente nas listas do PS e professor do ISEG especializado em políticas orçamentais.
João Sousa Andrade, professor jubilado de Finanças da Universidade de Coimbra, confirma que as ajudas às empresas foram travadas com o chumbo do OE. "Nada disso está autorizado. E se não houver maioria após as eleições, temo que a despesa aumente e faça disparar os juros da dívida pública", alertou. Aliás, Pedro Siza Vieira, ministro da Economia, alertou ontem para esse risco durante a sua intervenção no Parlamento.
O relatório do OE 2022 referia que, com a aprovação do Plano de Reestruturação por parte da Comissão Europeia, a ajuda estatal à TAP iria totalizar os 998 milhões de euros em 2021. Esse valor não é agora posto em causa. Já para 2022, o OE previa uma injeção de mais 990 milhões de euros, verba que não poderá ser autorizada com uma gestão orçamental em regime de duodécimos.
No caso da CP - Comboios de Portugal, a verba prevista era de 1800 milhões de euros para uma empresa pública que tem uma dívida histórica superior a dois mil milhões de euros. Segundo explicou João Leão, ministro das Finanças, o montante em causa apenas procurava reduzir o endividamento da empresa e dar-lhe "margem para concretizar as grandes opções de investimento, sobretudo ao nível da aquisição de material que permite a renovação da frota".
"A CP, mal ou bem, vai caminhando. No caso da TAP, talvez o Estado decida finalmente privatizar a companhia que é o calcanhar de Aquiles das nossas finanças. Vendemos a ANA Aeroportos e ficámos com a TAP, o que foi um erro", sublinha João Sousa Andrade.