A pandemia e os confinamentos alteraram a vida noturna nas cidades. Quando os bares e discotecas fecharam, ou limitaram horários, os jovens procuraram outras formas de diversão. O fenómeno do "botellon" alastrou por toda a parte, com grupos a beber e a conviver até altas horas. Uma mudança de hábitos que, de imediato, se traduziu no aumento abrupto do ruído em zonas onde antes se dormia bem melhor. O JN Urbano foi sair à noite no Porto, em Lisboa e Guimarães, ouviu as queixas dos moradores, e registou um pensamento unânime: "há mais barulho do que antes da covid."
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No Baixa do Porto, a zona da Cordoaria, onde abundam restaurantes e cafés, os moradores queixam-se de viverem "num inferno", e já foram queixar-se na Assembleia Municipal contra o "botellon". Um sentimento comum aos moradores do Bairro Alto, em Lisboa, que acreditam que há agora mais barulho do que antes da pandemia. Já em Guimarães, quem mora no centro histórico diz que este está transformado num "queimódromo", com jovens estudantes a beber e a cantar noite fora.
Pedro Santos, da associação ambientalista Quercus, acredita que o fecho das discotecas durante mais de um ano "pode ter fomentado uma mudança de hábitos que veio para ficar". "A fonte do ruído temporária pode passar a ser permanente e aí deve exigir-se uma maior atuação da polícia e dos municípios", defende.
"Nem imagina, isto é um suplício!", desabafa Maria Moreira, que mora na pequena Travessa do Carmo, à Cordoaria, no Porto. É professora, e confessa que vai trabalhar "sempre com muita falta de sono". "Muitas vezes, só a partir das 2.30 ou 3 horas é que consigo dormir", lamenta, criticando a inércia perante um problema que "aumentou muito depois da pandemia".
"Devia haver maior controlo, fiscalização e dureza nas coisas", alerta, afirmando que "o regulamento da "movida" não é aplicado". A vizinha Sara Gonçalves sublinha que "a Câmara tem de atuar", e critica a "falta de vontade".
Vêm jovens com garrafas nas mãos, instalam-se e ficam toda a noite, aos berros
"São noites e noites sem dormir, até de manhã", desespera-se, sublinhando que a situação "piorou com a pandemia". "Isto está muito mau, muito degradado. Há muita droga aqui e todos sabem", acusa. "Vêm jovens com garrafas nas mãos, instalam-se e ficam toda a noite, aos berros", lamenta.
"Estas medidas, de virem bares para aqui, impede que venham pessoas morar para cá. Quem vem para aqui, assim? Esta cidade vai ficar entregue à noite e não vai ter habitantes?", questiona Maria Moreira.
Ao JN Urbano, a Câmara do Porto indicou que "a percentagem de pedidos de intervenção relativos à "movida" em relação ao total de pedidos é um valor baixo, que comprova a eficácia dos limitadores de potência sonora e do respetivo processo de monitorização efetuado". De acordo com a Autarquia, o número era de 17% em relação ao total, baixando para 5,3% em 2019 e 2,7% em 2020. Este ano, porém, subiu até aos 4,7%.
Eu e os vizinhos só dormimos com tampões de cera, de outra forma acordaria vinte vezes por noite
Também os moradores do Bairro Alto, em Lisboa, acreditam que há mais barulho do que antes da pandemia. "Os bares abriram as janelas e as portas e o som veio mais cá para fora, foi a maior diferença que sentimos. Eu e os vizinhos só dormimos com tampões de cera, de outra forma acordaria vinte vezes por noite", diz Jorge Dias, residente.
"Há muito mais pessoas que permanecem sentadas pelas ruas a fazer imenso barulho noite fora", conta Leonor Viegas. Teresa Almeida sente o mesmo. "Antes não ficavam tanto tempo no mesmo sítio, era mais de passagem. Sempre houve ruído, mas nada como agora", lamenta a moradora na Rua da Rosa. E avança explicações: "Os bares são pequenos e os jovens habituaram-se a virem para a rua com a pandemia. Os fenómenos do "botellón" e das colunas de som portáteis também trouxeram mais pessoas para a rua. Mesmo quando não são muitos, fazem muito mais barulho".
O ambientalista Pedro Santos lembra que no Bairro Alto "os prédios não têm isolamento acústico para suportar o aumento do ruído". Considera ainda que a Câmara "deveria regulamentar os estabelecimentos noturnos, tal como fez com o alojamento local, e retirá-los para locais onde não perturbem os moradores". Outra solução, sustenta, seria "controlar as emissões sonoras das esplanadas em tempo real, como já faz com os bares".
O centro histórico está transformado num queimódromo. Ouvem-se cantos até altas horas
"As ruas eram nossas, agora são de outras pessoas que vêm de fora", lamenta Rui Porfírio, presidente da União de Juntas de Freguesia do centro da cidade de Guimarães. A frase solta-se-lhe à margem de uma reunião da população, no salão paroquial da Oliveira, promovida, há dias, pela junta, para falar dos problemas do centro histórico, onde o ruído surgia logo à cabeça na ordem de trabalhos.
Os presentes foram unânimes relativamente ao peso que é ser morador nesta zona da cidade. "Principalmente à quarta-feira (noite académica), o centro histórico está transformado num queimódromo. Ouvem-se cantos até altas horas", reclama Carlos Coutinho, morador na rua da Rainha. "Quem é que mede o ruído?", quer saber Alípio Mendes, acrescentando que "há barulho todos os dias". "Os bares fecham e a festa continua", queixa-se.
Armando Guimarães, morador na praça de São Tiago, alinha pelo mesmo diapasão. "Tiraram o estacionamento da praça para preencher tudo com esplanadas", observa. "Aqui nunca há descanso, os bares fecham às duas horas, a farra passa para a rua e pouco depois começam as máquinas de limpeza", assegura o vimaranense, que se propõe emprestar a casa aos decisores políticos, "se quiserem experimentar".