Ter um veículo movido a eletricidade só é prático para quem tenha garagem ou parqueamento, porque na rede pública, apesar dos postos de carregamento estarem a aumentar, ainda há muitas lacunas. A oferta destes equipamentos está a crescer, no entanto, nas empresas e em espaços públicos
Corpo do artigo
A procura de carros elétricos, como solução mais económica e ecológica, está a aumentar em Portugal, mas as condições nas cidades para uma mudança massiva para este tipo de mobilidade ainda estão longe do desejável. Na prática, apesar do ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, ter afirmado, no final de janeiro, que na próxima década "não fará sentido comprar veículos a gasóleo", a verdade é que ainda falta percorrer um longo caminho para a generalização do mercado elétrico. Desde logo, pelo preço mais elevado dos veículos e dos tempos de espera (uma viatura demora, em média, seis meses para ser entregue após a compra), mas, sobretudo, porque faltam postos de carregamento públicos.
Seduzidos pela poupança mensal que um elétrico proporciona, os automobilistas vão fazendo contas à vida e os que já conseguiram a transição não se arrependem. É o caso de João Gonçalves, morador em Guimarães e dono de uma ótica em Leça da Palmeira, Matosinhos. "Faço no mínimo 130 quilómetros por dia. Se andasse a gasóleo, atualmente gastaria mais de 600 euros por mês. Mas, na verdade, agora fico-me pelos 100 euros mensais em energia", sublinha, acrescentando ainda "a poupança" em manutenção. Após a compra do BMW i3, em 2014, o optometrista, de 45 anos, teve de interiorizar a mudança de rotinas. "Chego a casa, ponho o carro a carregar, quando chego ao trabalho faço o mesmo, e assim nunca tenho problemas", conta.
Mudança de hábitos
Em Lisboa, Henrique Sanchez faz muito menos quilómetros porque praticamente só anda no perímetro urbano da cidade com o seu Nissan Leaf. Daí que não tenha necessidade de carregamentos diários. "Em casa, carrego para aí uma vez por semana. Uma bateria dá-me para uns 300 quilómetros, mas nunca ando com ela nos mínimos. Quando vou jantar fora, quando vou às compras a um centro comercial, ou ao cinema, aproveito para carregá-la", explica.
João e Henrique são dois exemplos de quem é autossuficiente para manter um carro elétrico, porque ambos têm garagem. Já para quem viva num condomínio sem parqueamento, como é frequente nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, carregar em casa já se afigura impossível.
Henrique Sanchez, que é também presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), diz que as empresas estão cada vez mais a apostar em frotas elétricas e por isso há quem tenha hipótese de carregar o veículo no trabalho. "Se isso não acontecer e se não tiver garagem, já terá de se socorrer da rede pública", admite, reconhecendo que esta "é insuficiente". Ainda assim, diz que é uma questão de mudança de hábitos. "A pessoa tem de pensar: se não tenho um posto de carga ao pé de minha casa, se calhar tenho de o deixar a carregar mais longe, e depois andar uns 400 ou 500 metros", destaca.
Um só posto em Matosinhos
Mas as lacunas são evidentes. Em todo o país existem apenas cerca de 70 postos de carregamento rápido (PCR), onde uma carga demora cerca de meia hora. Nos outros, de carga lenta, já são precisas várias horas. E, apesar de haver cada vez mais em centros comerciais e parques de estacionamento, são insuficientes.
João Gonçalves dá o exemplo de Matosinhos, onde vivem 175 mil pessoas e onde existe apenas um PCR e mais uns quantos nos dois centros comerciais da cidade. E se precisar de carregar após a hora de fecho destas superfícies? "Aí não tem hipótese. Só existe mesmo o PCR", observa.
Gustavo Monteiro, administrador da EDP Comercial, admite estas lacunas, concorda que as cidades ainda não estão preparadas para um "boom" de carros elétricos, mas sublinha que "se está a trabalhar para gradualmente dar resposta aos desafios". "Há a questão dos postos de carga lento gratuitos. Enquanto estes não forem pagos, a oferta não vai crescer, porque ninguém vai investir em algo que não tem retorno", diz.
Carreguei o carro na casa de banho de um cemitério
Ainda assim, todos concordam que o setor da mobilidade elétrica tem evoluído depressa. Henrique Sanchez, pioneiro na utilização de um veículo deste tipo - teve o primeiro em 2011 - recorda os primeiros tempos em que as pessoas num restaurante estranhavam o pedido para carregar o carro enquanto jantava. "Olhavam-me como se fosse o ´maluquinho"", conta, ressalvando, porém, que "a eletricidade está em toda a parte. Podemos carregar o carro em vários locais".
João Gonçalves deixa um exemplo do improviso. Foi quando se deslocou do Norte a Vila Viçosa, no Alentejo, para assistir a um casamento. "Carreguei o carro na casa de banho de um cemitério", conta, entre risos.
Entretanto, a EDP lançou recentemente uma nova solução para carregamento em casa dos clientes, a EDP Wallbox, também disponível em modelo de subscrição mensal (12,90€ por mês). Esta solução incorpora o sistema "edp re:dy", que permite aos clientes monitorizar e gerir os seus consumos de eletricidade e otimizar a utilização da potência disponível em casa, ajustando-a de forma a evitar interrupção de fornecimento.
Em Portugal, venderam-se em 2018 quase tantos veículos elétricos (8241) como nos sete anos anteriores desde que começou a comercialização em Portugal, onde o acumulado de vendas foi de 8469