Não se sabe quando, mas abalos de grande magnitude vão acontecer e infraestruturas podem desabar. Falta fiscalização para assegurar qualidade das construções e sensores que permitam lançar alertas E, se as infraestruturas não forem resistentes à ação sísmica, é provável que o número de mortos e feridos seja mais elevado. Também os danos para a economia serão mais avultados.
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A questão não é "se", é "quando". Mais cedo ou mais tarde, Portugal vai sofrer um sismo de grande magnitude e as cidades não estão preparadas. Fernando Carrilho, chefe de divisão de geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), sublinha que "não devemos entrar em pânico", mas "temos de estar preparados, porque vivemos numa zona de perigo sísmico".
Ainda no passado dia 1, um sismo com epicentro a 82 quilómetros de Olhão, de intensidade IV, foi sentido no Algarve e em Espanha. Não teve consequências e não é "indicador de um maior" que se aproxima, tranquiliza Carrilho.
Mas, "sabemos que um [de grande magnitude] irá acontecer, só não sabemos quando", acrescenta o especialista do IPMA, explicando que podem ocorrer terramotos e também tsunamis. As áreas de maior perigosidade são a zona de Lisboa e vale inferior do Tejo e o Algarve, a que se soma o arquipélago dos Açores. Isto não quer dizer, no entanto, que não possam ocorrer noutras zonas e os seus impactos estenderem-se de norte a sul.
É necessário preparar as pessoas, para saberem como agir
É, por isso, necessário "preparar as pessoas, para saberem como agir", defende Carrilho. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil está atenta e "já realizou estudos sobre risco sísmicos e de tsunami para zona de Lisboa e Algarve e preparou planos de atuação em caso de emergência".
Mas também é preciso preparar as cidades e isso demora décadas. Se as construções e infraestruturas não forem resistentes à ação sísmica, é provável que o número de mortos e feridos seja mais elevado. E os danos para a economia serão mais avultados.
Mário Lopes, professor e investigador do Instituto Superior Técnico, conta que, após o terramoto de 1755, no qual "Lisboa foi em grande parte destruída", a Baixa foi reconstruída para "resistir" a sismos, uma ação que foi um "marco na história da humanidade". Contudo, a "memória" foi-se perdendo e o tipo de construção "piorou".
Em 1958, aparece o primeiro regulamento que obriga a ter este tipo de risco em conta na construção de novos edifícios. A regulamentação foi aperfeiçoada em 1983 e, em 2019, chegou à reabilitação, acompanhando orientações e obrigações europeias. Em breve a legislação europeia deverá abarcar, também, obras subterrâneas, como estações de metro e estacionamentos debaixo do solo, que ainda não são visados.
Não há fiscalização da aplicação da legislação e cria-se uma diferença grande entre a teoria e a realidade
O grande problema, alerta Mário Lopes, é que "não há fiscalização da aplicação da legislação" e cria-se uma "diferença grande entre a teoria e a realidade". Além disso, há outras lacunas. A legislação visa sobretudo edifícios e pontes, deixando de fora, por exemplo, "equipamentos industriais". "Temos um problema a nível da indústria e das redes de infraestruturas, que podem estar extremamente vulneráveis", observa.
Também os monumentos e edifícios de valor patrimonial estão desprotegidos. "Não se pode tocar, mas deixamos que seja um sismo a destruir", lamenta.
Fernando Carrilho espera que a renovação dos cabos submarinos de comunicação entre Portugal Continental e os arquipélagos da Madeira e Açores, que tem de acontecer até 2025, permita a incorporação de sensores, uma ação "cara", mas que permitirá vigiar melhor a atividade sísmica.
Sensores para ganhar tempo
Vítor Silva, investigador na Universidade de Aveiro e professor na Universidade Fernando Pessoa, espera que os sensores, que estavam contemplados no "Orçamento do Estado que foi reprovado", avancem e levem à criação de um sistema de alertas. O investigador, que participou num estudo da ANACOM e do LEA (um consórcio composto pelo IPMA, Instituto de Telecomunicações e Instituto Dom Luiz), diz que um sistema deste tipo não elimina todas as perdas humanas, mas "tem a capacidade de reduzir mortes e feridos em cerca de 40%". Seria útil sobretudo nos distritos de Faro, Beja, Setúbal, Lisboa e Santarém.
"No caso de ocorrer um sismo forte, estes sensores permitem rapidamente detetar a localização e magnitude do evento e pode ser lançado um alerta público", através da Comunicação Social ou telemóveis, explica.
O aviso não teria mais do que uns 30 segundos de antecipação, mas daria à população alguma margem para abandonar edifícios ou procurar espaços mais seguros (ombreiras de portas, debaixo de uma cama, etc.), reduzir a velocidade de comboios para evitar descarrilamentos, fechar válvulas em refinarias, evitando acidentes industriais, entre outras ações.
Vítor Silva está envolvido noutros projetos. Com o ASSIMILATE, por exemplo, pretende-se desenvolver uma plataforma que permita o cálculo quase imediato das perdas humanas, económicas e danos no caso de acontecer um sismo. A ideia é instalar, em casas, hospitais, centros comerciais e outros edifícios, sensores low-cost que detetam e comunicam em tempo real vibrações. Com a informação é possível determinar com grande precisão o impacto esperado de sismos nas cidades. "Esta informação é fundamental nas primeiras 48 horas após a ocorrência de sismos destrutivos, já que 90% dos salvamentos são realizados neste período de tempo", explica o investigador. Assim, é possível saber quais os recursos necessários e para onde devem ser encaminhados.
Avaliação da vulnerabilidade
O projeto AI4DRR recorre à inteligência artificial para conhecer melhor os "mais de quatro milhões de edifícios em Portugal" e avaliar a "vulnerabilidade das cidades a desastres naturais". Neste projeto está a ser treinado "um algoritmo da Google para aprender a classificar edifícios automaticamente através de imagens do Google Street View e imagens de alta definição de satélites". Os testes decorrem em Alvalade, com imagens de 3000 edifícios.
Através do projeto SeismicPRECAST procurou-se investigar a vulnerabilidade sísmica de edifícios industriais em betão armado pré-esforçado, tipologia "extremamente vulnerável", e o impacto na economia. "Para a maioria dos cenários sísmicos considerados, a disrupção da economia em Portugal iria agravar as perdas económicas para literalmente o dobro" e a quebra de cadeias de produtos e matérias-primas estender-se-ia de norte a sul do país, conclui Vítor Silva.