A população está a envelhecer a um ritmo elevado, forçando as cidades a adaptarem-se para serem amigas dos idosos. Atualmente, 22% da população dos meios urbanos é composta por idosos. Em 2050, prevê-se que seja 25%. Mas algumas, como a do Porto, já ultrapassam esses números e têm 30% dos habitantes com mais de 60 anos.
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"O envelhecimento no Mundo é uma prioridade e em Portugal é uma emergência", alerta João Malva, investigador da Universidade de Coimbra que integra o Ageing Coimbra - um consórcio que junta a Universidade, Câmara e Centro Hospitalar de Coimbra, o Instituto Pedro Nunes e a Administração Regional de Saúde, fomentando projetos inovadores e boas práticas para apoiar o envelhecimento ativo e saudável.
"As cidades do futuro têm de ser amigas de todas as gerações, não podem ser agressivas para os idosos". Entre as questões críticas que João Malva identifica, destaca-se a solidão. Mas também há carências a nível de habitação, saúde e literacia digital, entre outras.
Segundo Miguel Padeiro, investigador da Universidade de Coimbra que coordena o Grampcity, um projeto que junta investigadores de quatro academias para analisar a mobilidade dos idosos, uma das principais dificuldades que surgem com a idade tem a ver precisamente com a mobilidade. Os mais velhos "deixam de conduzir e de caminhar com facilidade, ficando dependentes de transportes públicos, que nem sempre respondem às necessidades".
Os passeios são muitas vezes escorregadios, falta arborização, bancos sem apoios para costas e há muitos declives tratados com escadas
Outro grande problema que identifica é o "tratamento de espaços públicos". Miguel Padeiro reconhece que há melhorias, mas ainda há muito a fazer. "Os passeios são muitas vezes escorregadios, falta arborização, bancos sem apoios para costas e há muitos declives tratados com escadas", enumera. A isto acrescem situações de falta de civismo, como "carros em cima do passeio" que obrigam a ir para a via.
Mas adaptar as cidades aos de maior idade, não tem apenas a ver com o tratamento do espaço físico. É preciso sensibilidade para a dimensão social, devendo-se ter atenção, por exemplo, ao "sentido de comunidade". Há espaços centrais que estão a ficar mais cuidados, "mas para pessoas mais jovens", pois o fenómeno da gentrificação está a "empurrar" idosos para as periferias, onde estão afastados das pessoas que conheciam e dos serviços. E atrás disso podem vir problemas ligados à saúde mental.
O Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas, da Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a necessidade de ações em diversas áreas: espaços exteriores e edifícios, transportes, habitação, participação social, respeito e inclusão social, participação cívica e emprego, comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de saúde.
No Porto, que em 2010 aderiu a esta rede, a Autarquia tem vindo a promover programas para combater a solidão (foram detetadas 3000 pessoas a viver isoladas), melhorar as habitações, realizar atividades de lazer e exercício físico e a desenvolver mecanismos de apoio na área da saúde, ações de capacitação em termos de literacia financeira e digital, entre muitas outras.
Porto elimina 70% das barreiras arquitetónicas
A Câmara também apostou na mobilidade e, atualmente, "cerca de 70% das barreiras urbanísticas foram eliminadas para tornar a cidade mais acessível" para pessoas com mobilidade reduzida e idosos, com rampeamento das passadeiras e passeios, explica o vereador Fernando Paulo. Há, igualmente, assegura, um esforço para que o acesso ao "metro e autocarros" seja fácil para as pessoas de maior idade.
São programas que evidenciam "a necessidade de intervir em diferentes eixos" para "mitigar dificuldades ligadas ao envelhecimento e melhorar a qualidade de vida", justifica.
No Porto, "30% da população da cidade é idosa", ou seja, pessoas com mais de 60 anos, de acordo com o critério da OMS, e "a taxa bruta de envelhecimento ronda os 223%". Isto, considera Fernando Paulo, "exige um novo olhar nas políticas sociais e até orçamentos, porque não podemos continuar, como há 20 anos, a dirigir as medidas e esforço dos técnicos e resposta apenas para jovens e população adulta. Temos de acautelar as necessidades deles, mas criar novas respostas e ajustar os modelos de intervenção social à camada mais idosa".
A Câmara do Porto refere que também tem procurado "travar e inverter a situação de envelhecimento, atraindo à cidade novas gerações e criando condições para que aumente o número de nascimentos".
Em Cascais, distinguida pela Ordem dos Psicólogos Portugueses com o selo das Comunidades Pró-Envelhecimento 2020-21, cerca de 20% da população tem idade igual ou superior a 65 anos. Dessas, 22% vivem sozinhas.
A Câmara definiu, por isso, dois eixos de atuação: o envelhecimento ativo e saudável e o apoio na vulnerabilidade/dependência. Os "riscos associados ao envelhecimento, como a dependência e o isolamento, exigem uma capacidade de aumentar e flexibilizar as abordagens e soluções e os cuidados sociais e de saúde diferenciados, que respeitem a autonomia potencial das pessoas e preservem a sua dignidade e singularidade", considera a Autarquia.
Há um lado de ameaça e um de desenvolvimento económico e Portugal não está a olhar para o lado do desenvolvimento
O envelhecimento da população, diz Miguel Padeiro, é geralmente descrito nos diagnósticos de organismos oficiais "como um problema, porque as pessoas já não são ativas, precisam de vários apoios, são um encargo".
"Há algumas exceções, mas a visão predominante é a de que o envelhecimento é um problema. Está escrito dessa forma nos principais documentos do Governo", concorda a socióloga Ana João Sepúlveda, presidente da associação Age Friendly Portugal.
O Ageing Coimbra, salienta João Malva, está a apostar na investigação para este setor e a criar um centro de referência. Noutras zonas do país também existem redes similares.
Mas, no geral, considera Ana João Sepúlveda, falta ao país "uma estratégia para a economia da longevidade", que inove desenvolvendo equipamentos e serviços. "Há um lado de ameaça e um de desenvolvimento económico e Portugal não está a olhar para o lado do desenvolvimento. Não temos uma sociedade inclusiva e que tire partido desta população", reforça, apontando a Irlanda e Japão como bons exemplos.