A comissão de ética do Banco de Portugal vai avaliar a conduta de Mário Centeno por ter aceitado o convite de António Costa para liderar o Governo, caso obtivesse a anuência do presidente da República, evitando a queda do Executivo socialista e a realização de eleições antecipadas. A reunião será na segunda-feira.
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A notícia é avançada pelo jornal económico "Eco". A comissão de ética já estará a recolher informações para proceder à análise do caso, no sentido de avaliar um conflito de interesses ou de incompatibilidades com as funções de governador do Banco de Portugal. Nesse sentido, conta o "Eco", terá sido agendada uma reunião para segunda-feira.
O ex-ministro das Finanças do Governo socialista que antecedeu a Fernando Medina passou, com polémica, diretamente do ministério para a função de governador do Banco de Portugal. No entanto, apesar das novas funções enquanto supervisor bancário que exigem independência total em relação ao Executivo, continua a ser visto com um ativo socialista, tanto que o seu nome foi proposto para a liderança do Governo pelo primeiro-ministro demissionário António Costa ao presidente da República. E Marcelo Rebelo de Sousa, conta o jornal Público, contemplou a aceitação desse caminho, em vez da dissolução da Assembleia da República. No entanto, após a audição dos partidos com assento parlamento e do Conselho de Estado, Marcelo decidiu que a única opção seria a realização de eleições antecipadas, agendadas já para 10 de março do próximo ano. A dissolução da Assembleia da República será a 15 de janeiro.
A comissão de ética é liderada por Rui Vilar, antigo chairman da Caixa Geral de Depósitos. O atual CEO do banco público, Paulo Macedo, não vê uma "incompatibilidade" nem conflitos de interesse neste caso que envolve Mário Centeno e António Costa. “Não me parece que uma pessoa competente e séria, por se disponibilizar a prestar um serviço ao país, isso represente uma incompatibilidade, tanto mais que foi ministro num governo concreto. Não me parece que haja surpresa nenhuma relativamente à sua área política ou proximidade", sublinhou Paulo Macedo, na conferência de Imprensa de apresentação das contas do terceiro trimestre da Caixa Geral de Depósitos.
E, aliás, contesta que seja pedida a saída de Mário Centeno do Banco de Portugal, na certeza de que iria causar maior instabilidade no país, já mergulhado numa crise política. “Não é a afastar o Governador do Banco de Portugal que ajudava a estabilidade do país. Aumentar instabilidade com instabilidade é tudo menos o que precisamos”. Ainda assim, o antigo ministro da Saúde entende que o presidente da República tomou a decisão correta ao permitir a aprovação do Orçamento do Estado para 2024.
A Frente Cívica defende a demissão do governandor do Banco de Portugal por ter colocado em causa a independência da instituição que lidera.
Contactada pelo Dinheiro Vivo, fonte oficial do Banco de Portugal apenas confirmou que "compete à Comissão de Ética pronunciar-se sobre esta matéria", sem adiantar uma data para a reunião, embora possa ocorrer já na próxima segunda-feira, devendo o parecer daquele organismo ser emitido nesse mesmo dia.
Atenção ao código de conduta, diz BCE
Já o Banco Central Europeu (BCE) recusa comentar este caso político, mas alerta que Mário Centeno, enquanto membro do conselho de governadores do BCE, tem de respeitar o código de conduta. E, nesse sentido, "espera-se que atuem de forma honesta, independente, imparcial, com discrição e sem levar em conta o interesse próprio".
O artigo 6.º do código de conduta dos altos responsáveis do BCE sublinha o "princípio de independência", em particular que, "no exercício das competências, funções e responsabilidades que lhe são conferidas, devem agir com independência e objetividade, no interesse da União no seu conjunto, sem atender a interesses nacionais ou pessoais, e não podem solicitar ou receber instruções das instituições, organismos, gabinetes ou agências da União Europeia, dos governos dos estados-membros ou de qualquer outra entidade". Nesse código, é referido, ainda, que "os membros e os suplentes devem evitar qualquer situação que possa suscitar questões de conflitos de interesses", havendo, também, restrições para o exercício de funções remuneradas no período de seis meses a um ano após o termo do mandato ou da data da cessação das suas funções de membro de um órgão de alto nível do BCE.
Na sexta-feira, a Oposição criticou o primeiro-ministro, António Costa, por ter indicado o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, para o substituir no Governo. Em causa, a independência do governador do Banco de Portugal. O líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, entende que a proposta do primeiro-ministro é a prova da “grave falta de independência” que o partido sempre considerou que o governador do Banco de Portugal tinha face ao PS. O social-democrata desafiou Centeno a revelar se a sua indicação para primeiro-ministro foi feita com a sua “anuência”. Mas, contactado pelo JN, o governador de Portugal recusou comentar.
Também a IL e o PAN criticaram a proximidade do supervisor aos socialistas. O líder parlamentar os liberais entende que os socialistas confundem "Estado com o PS. Vinha com uma solução de secretaria à italiana. Já fomos muito críticos com a passagem de ministro das Finanças para o Banco de Portugal. É uma espécie de plataforma giratória”, apontou. Inês Sousa Real condena a "portas giratórias" da política. “O PAN foi sempre muito critico relativamente às portas giratórias, porque entende que os governantes devem ter um período de nojo”, reforçou a deputada única e líder do PAN.
Contudo, para o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, se Mário Centeno aceitasse a indicação só estaria a mostrar que é um cidadão “responsável”.
“Qualquer português responsável, que lhe seja pedido um serviço importante numa circunstância importante para o país, deve aceitar. Nestas circunstâncias, a minha expetativa era a de que aceitasse. Um português responsável que não aceite um trabalho que é em favor de todos não me parece responsável”, considerou o socialista, acusando o PSD de revelar ter “má consciência”.