Comissão para definir valores das compensações às vítimas de abusos na Igreja deverá arrancar em março
O Grupo Vita recebeu até agora 61 pedidos de reparação financeira a vítimas de abusos sexuais na igreja católica, das quais oito já foram instruídos. A coordenadora do organismo, a psicóloga Rute Agulhas, prevê que a comissão para definir os valores das reparações deverá ser criada em março ou abril.
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Desde que foi criado, em maio de 2023, até agora, o Grupo Vita recebeu denúncias de 118 vítimas de violência sexual. Por agora, 61 vítimas manifestaram a intenção de obterem um reparação financeira, 40 são homens e as restantes 21 são mulheres. E já foram instruídos oito dos casos, revelou Rute Agulhas.
Rute Agulhas, coordenadora do organismo criado pela igreja católica, adiantou, esta terça-feira, que a comissão responsável por definir os valores das compensações deverá ter condições para ser criada a partir de março ou abril. Ou seja, terminado o prazo para as vítimas formalizarem os pedidos, definido até 31 de março.
"A partir do momento em que existir uma amostragem minimamente suficiente [das vítimas que pediram as reparações], que acredito que seja março ou abril (...), faz sentido criar o segundo grupo, e iniciar funções. Se demora um mês, se demora dois meses, isso já nos ultrapassa", afirmou a psicóloga em conferência de impensa, em Lisboa, para a apresentação do terceiro relatório de atividades do organismo que acompanha as vítimas no contexto da igreja católica portuguesa.
Rute Agulhas avançou que já há agendamentos para realizarem a partir de fevereiro as entrevistas às restantes vítimas. "Nos próximos meses, vamos, literalmente, correr o país para ouvirmos as pessoas do norte, do sul e nas ilhas", afirmou, acrescentando acreditar que o grupo está "em tempo útil" de concluir os processos de forma a que seja possível atribuir as compensações financeiras às vítimas até ao final de 2025, tal como o previsto pela pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
No entanto, a responsável reiterou que o prazo - inicialmente previsto até ao final de 2024, mas que acabou por ser alargado pela CEP - "não é uma parede estanque que não permita que alguém não possa fazer um pedido depois”. Rute Agulhas recordou que está plasmada uma certa flexibilidade no regulamento das reparações, tendo em conta o facto da maioria das vítimas estarem, pela primeira vez, a relatar casos de violência sexual que aconteceram há largas décadas.
O dados apresentados mostram que a maioria das 62 vítimas que já foram atendidas presencialmente ou online pelo Grupo Vita, foram alvos de abusos nas décadas de 60 e 80, com a primeira situação de violência sexual a ser registada entre os dez e os 11 anos. Os casos têm, por isso, uma antiguidade em média de 43 anos, próxima da reportada nos relatórios anteriores. Rute Agulhas alertou que esse tempo de silêncio "não é compatível com o prazo de alguns meses", pelo que o grupo irá continuar a acompanhar as vítimas.
Por outro lado, 35,5% das vítimas só revelaram mais tarde os abusos e 40,5% apenas o fez agora, grande parte por sentirem vergonha, medo ou temerem que quem as ajudásse não acreditasse nos abusos. Há também vítimas que recorreram apenas ao Grupo Vita, não tendo sido apresentada, na maioria dos casos, qualquer denúncia a outras entidades competentes, nem no âmbito da anterior Comissão Independente. Isto significa que 15 das situações são novas, observou Rute Agulhas.
Além disso, acrescenta-se o facto de o número dos pedidos ser muito "volátil", uma vez que há vítimas que inicialmente manifestam essa vontade, mas acabam por mudar de ideias, apontou a responsável.
Recorde-se que os pedidos de compensação serão analisados por duas comissões, uma comissão de instrução que avalia os factos e outra que determinará o montante a atribuir. A primeira será composta por duas pessoas: uma designada pelo grupo VITA e outra pelo coordenador da comissão diocesana onde a pessoa agressora exercia funções que terão de ouvir presencialmente a vítima e fazer um relatório. O documento será entregue à segunda comissão, composta por sete elementos, maioritariamente juristas, para determinar os valores.
Capacidade financeira da diocese não pode condicionar reparações
O relatório mostra que dos 62 testemunhos recolhidos, a maioria das vítimas são homens (59,7%), e a média etária é de 54 anos. As vítimas pessoas residem principalmente na região de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte.
Também presente na conferência, José Souto Moura, lider da Coordenação Nacional das Comissões Diocesenas de Proteção de Menores, considerou que as compensações deverão começar a ser discutidas após existir "uma amostragem significativa dos danos e do nexo de causalidade".
O responsável considerou que cada vítima "deve receber aquilo que corresponde ao seu caso", defendendo ainda que não podem ser prejudicadas pela capacidade financeira da diocese onde os casos ocorreram de forma a garantir "uma justiça comparativa entre as vítimas". Souto Moura lembrou que no caso de não conseguirem assegurar os valores a pagar, entrará em ação o fundo social, cuja responsabilidade é da CEP.
Sobre as reparações, Rute Agulhas insistiu que o critério não deverá ser "igual para todos porque as situações são todas diferentes", relembrando que quanto maior for a duração da violência tende-se a intensificar o impacto na vítima. A psicóloga referiu ainda que das 61 vítimas que pediram as compensações, apenas duas manifestaram estar de acordo com a atribuição de montantes iguais.
Evitar revitimização
A responsável revelou também que alterou o método de atendimento das vítimas que pretendem receber a compensação financeira para evitar que tenham de reviver os acontecimentos das agressões duas vezes. Isto porque inicialmente eram entrevistadas para efeitos de sinalização e depois pela comissão de instrução com vista à compensação financeira. Assim, passam a ser realizadas apenas durante esse grupo de trabalho.
Desde essa alteração, 15 das 61 vítimas que pediram as reparações já manifestaram a intenção de serem apenas entrevistadas apenas uma vez, revelou Rute Agulhas. No entanto, houve também o caso de seis vítimas que quiseram realizar as duas entrevistas por sentirem a necessidade de falar sobre as suas histórias e de ser garantido um contexto acolhedor e de empatia.
Reencaminhadas 47 sinalizações às comissões diocesanas
A maior parte dos casos já prescreveram. No entanto, Rute Agulhas revelou que, nestes 20 meses de atividade do Vita, foram encaminhadas 70 sinalizações a estruturas eclesiásticas e 25 à Procuradoria-Geral da República e/ou à Polícia Judiciária. Em particular, foram sinalizados 47 casos às respetivas comissões diocesanas de proteção de menores e adultos vulneráveis.
O grupo recebeu também três a quatro situações mais recentes com jovens que ainda não teriam prescrito que foram de imediato sinalizadas às entidades competentes, apontou a psicóloga.
Quanto às incertezas sobre o futuro do grupo Vita, cujo plano de ação é até maio de 2026, Rute Agulhas considerou que o projeto seja renovado. No entanto, caso não acontece, "continuam a existir as comissões diocesanas" que recebem as denúncias, relembrou.