Desde 2023 que se aguarda uma nova Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (ENICC) com medidas até ao final da década. Várias pessoas, associações e coletivos exigem ao primeiro-ministro que adote com "urgência" um plano, lembrando que Portugal é, atualmente, o único país europeu em falta
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O apelo é feito por várias associações ciganas e dezenas de cidadãos, entre os quais académicos e políticos, que, perante o "silêncio institucional” em torno da ausência de um novo plano de integração, escreveram, esta terça-feira, uma carta aberta dirigida ao primeiro-ministro em gestão para exigir a adoção urgente de medidas que garantam a continuidade e o reforço de apoios até ao final da década.
“Apesar das promessas e compromissos públicos, continuamos sem um novo plano estruturado e eficaz para dar resposta às necessidades das comunidades ciganas no nosso país. Somos o único país da União Europeia que ainda não adotou a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (2022-2030)”, pode ler-se no documento a que o JN teve acesso.
Bruno Gonçalves, vice-presidente da associação Letras Nómadas alerta para um “vazio legal” que compromete as respostas que são dadas junto das comunidades. “As associações que estavam a trabalhar no terreno deixam de ter condições e as pessoas sentem-se abandonadas”, sublinha, exemplificando que a falta de respostas está a empurrar mais famílias para “habitações indignas”. Apesar das várias tentativas, ao JN o Executivo não esclareceu até à data que apoios e programas foram interrompidos.
Bruno Gonçalves alerta que esá também em risco o financiamento necessário para os municípios avançarem com planos locais de integração e para se manterem programas “imprescindíveis” na área da Educação no próximo ano letivo, como o ROMA Educa e outros de atribuição de bolsas a estudantes ciganos para o Ensino Superior. “Nós temos 35 jovens bolseiros no OPRE [Programa Operacional para a Promoção da Educação], muitos deles atualmente no primeiro ano da licenciatura e que necessitam deste apoio como do pão para a boca”, ilustrou.
Os signatários consideram a ausência de um plano renovado "não apenas uma falha política, mas também uma desvalorização dos princípios de igualdade e inclusão que devem reger uma sociedade democrática".
Proposta por conhecer
Recorde-se que, depois de a vigência do plano ter sido prorrogada por mais um ano, a revisão e o desenho do novo ciclo deveriam ter sido concluídos até ao final de 2023. Com a queda do Governo de António Costa, a nova estratégia não foi aprovada em tempo útil, apesar de uma equipa externa de investigadores ter avaliado o que foi feito entre 2018-2022 e de ter entregue uma nova proposta com medidas até 2030.
O processo passou para as mãos do atual Executivo, que decidiu repetir internamente o trabalho,em conjunto com Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), tal como noticiou o JN. Foi, por isso, criada uma equipa interna "para ouvir sete grupos focais que envolveu 50 entidades, desde associações ciganas, académicos, entidades públicas, municípios, associações empresariais, e 20 estudantes que beneficiaram do programa de bolsas" do OPRE, respondeu, em meados de novembro, fonte oficial da Presidência do Conselho de Ministros.
Segundo as associações, foi-lhes transmitido que o documento seria colocado em consulta pública em dezembro passado. Mas “já estamos quase no fim de março de 2025 e o processo continua parado”, garantem. Note-se que o próprio secretário de Estado Adjunto da Presidência, no Parlamento, apontou que o documento seria conhecido ainda em outubro.
Após a AIMA ter apresentado os resultados ao Executivo, Bruno Gonçalves não compreende o porquê de o documento não ter entrado em consulta pública. Por isso, na quarta-feira as associações vão pedir para serem recebidos com urgência pelo ministro da Presidência, responsável por esta pasta. “Espero que considerem as nossas sugestões e as de outras pessoas. Na última estratégia havia muitas questões que na prática tinham pouco impacto na vida das pessoas. Acima de tudo, é preciso que haja ambição", resume.
Já relatório final sobre os resultados da estratégia anterior, entregue em novembro de 2023, também não foi tornado público, apesar de ter envolvido “ativamente representantes das comunidades ciganas, organizações da sociedade civil e especialistas na área dos direitos humanos, garantindo assim que a estratégia fosse construída de forma participativa e adequada às reais necessidades destas populações", denunciam.
A aprovação da ENICC corre o risco de voltar a ser adiada caso o processo não for concluído até às eleições antecipadas. O vice-presidente da Letras Nómadas teme que se chegue ao final do ano sem um plano, tal como aconteceu no passado, sob pena de as dificuldades se agravarem. Por agora, esperam que o Governo "cumpra os seus compromissos".