Matos Fernandes garante que a mobilidade terá a fatia de leão do investimento público no período pós-covid. Porto recebe amanhã conferência sobre ação climática com os olhos na presidência da UE.
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O Ministério do Ambiente traz amanhã ao Porto o debate sobre a ação climática, que deixará clara a prioridade política de Portugal, a poucos meses de assumir a presidência da União Europeia. Em entrevista ao JN, o ministro Matos Fernandes fala dos investimentos sustentáveis para a recuperação económica no pós-covid.
O Governo traz amanhã ao Porto vários ministros para discutir a ação climática. É um tema decisivo para a recuperação económica pós-pandemia?
Portugal terá a presidência da União Europeia (UE) no primeiro semestre de 2021 e a questão climática é hoje o grande tema quando se discute o futuro da economia e da UE. Esta conferência é o pontapé de saída dado pelo Ministério do Ambiente, com a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros e de um conjunto de colegas do Governo, para deixar clara a relevância que a ação climática terá durante a presidência portuguesa. E queremos discuti-la numa quádrupla perspetiva. Primeiro, a recuperação económica. O nosso roteiro já deixa antever que o cenário mais consequente do ponto de vista de neutralidade é aquele em que a economia mais cresce. Ainda antes da pandemia, Ursula von der Leyen defendeu que o grande motor do crescimento económico da Europa é a aposta e o investimento na sustentabilidade. Parece-me óbvio que a covid veio acelerar essa necessidade, alocando a Portugal fundos para concretizá-lo.
Será preciso convencer alguns parceiros europeus...
São cada vez menos, mas há alguns que não estão avançar. É muito difícil aceitar quando um país, como a Polónia, diz que só vai reduzir 7% das suas emissões na próxima década. Sabendo que há ritmos diferentes e que o Just Transition Fund é muito importante para garantir que os países terão apoio para serem mais ambiciosos nas metas climáticas, estou convencido de que a lei do clima que fixa o objetivo da neutralidade carbónica nem chegará à presidência portuguesa. Será aprovada ainda durante a presidência alemã.
O Plano de Recuperação e Resiliência destina 2,7 mil milhões à transição climática. Quais são os projetos-chave para a recuperação económica pós-covid?
Só vamos apresentar os projetos quando tivermos todos os instrumentos estabilizados, incluindo o próximo Quadro Comunitário de Apoio. Em função das regras comunitárias e da obrigação que a UE definiu de ser neutra em carbono em 2050, creio que 30 a 35% das verbas terão de ser para a ação climática. Os 2,3 biliões do POSEUR serão, no mínimo, 8 a 9 biliões no próximo ciclo. As verbas para a ação climática triplicarão e a mobilidade será o setor que concentrará mais dinheiro.
Já se sabe quanto?
Esse número será apresentado com o Programa Nacional de Investimentos, mas será a fatia de leão do investimento público. Os dois setores onde temos que ser mais exigentes para termos emissões zero em 2050 são o eletroprodutor e o da mobilidade. No eletroprodutor, os investimentos são quase só privados e sem grande apoio público, a não ser o que já está definido na estratégia do hidrogénio, que consagra entre 400 a 500 milhões para a produção de gases renováveis, incluindo o hidrogénio. O primeiro aviso de 40 milhões, ainda pago pelo POSEUR, sairá dentro em breve.
E esse aviso destinar-se-á à produção de energia ou incluirá a indústria?
São projetos que se destinam à produção, armazenagem e transporte de gases renováveis. A nossa expectativa é apoiar projetos de, pelo menos, dois gases renováveis: o biometano e o hidrogénio. A par dos setores eletroprodutor e da mobilidade, há uma terceira dimensão: a adaptação do território, o combate à desertificação, a proteção do litoral e dos recursos hídricos, que já mexe e também terá uma fatia expressiva de investimento, e a proteção da floresta e da biodiversidade.
Então, quais são os projetos prontos para avançar?
São a expansão dos sistemas de transporte das áreas metropolitanas de Lisboa e de Porto e a possibilidade de implementar um sistema de transportes coletivo pesado em Braga. Nos recursos hídricos, há um investimento grande e necessário, que é a barragem da Ocreza, para regularizar os caudais do rio Tejo. No combate à desertificação, temos um grande projeto de plantação de árvores adaptadas ao território a sul do Tejo para introduzir matéria orgânica no terreno e, assim, combater a desertificação. Não se combate o deserto regando. A reabilitação da rede hidrográfica vai continuar e haverá 1,5 mil milhões para a fundamental reconversão da paisagem florestal.
O que é que está pensado para a expansão das redes de metro do Porto e Lisboa?
Não vou indicar as linhas, mas já recebi os trabalhos das áreas metropolitanas. A concentração de dinheiro nestes dois sistemas pelo que representam para a descarbonização no setor dos transportes, que regista 25% das emissões, terá uma expressão financeira muito significativa.
Tem falado na Linha Vermelha em Lisboa e numa nova ponte no Porto...
É verdade. Há duas linhas que já não são segredo: o prolongamento da Linha Vermelha pelas Amoreiras, Campo de Ourique até Alcântara e a construção de uma nova linha para Gaia, entre a Casa da Música e Santo Ovídeo, com uma nova ponte sobre o Douro entre as pontes de Arrábida e de Luiz I. No início do próximo ano, estaremos em condições de lançar um grande concurso público internacional para o projeto da nova ponte sobre o Douro. Numa frente de rio tão simbólica e com tanta riqueza patrimonial, a nova ponte tem de ser um grande projeto discutido pelas cidades e avaliado por um júri altamente qualificado. Creio que vamos ter os melhores engenheiros de pontes do Mundo a concorrer para fazer esta ponte. Será só para o metro e quanto muito para bicicleta e peões. Nunca será uma ponte rodoviária.
Mas haverá dinheiro para fazer outras linhas?
Manifestamente, sim.
Em Braga, o novo sistema será metro ou metrobus?
Braga tem uma densidade populacional e um conjunto de deslocações que justificam este investimento. Os estudos de procura vão iniciar-se em breve e, se calhar, um BRT (metrobus) semelhante à solução do Baixo Mondego, é a mais adequada.
Costa Silva defende o metrobus noutras cidades de média dimensão, como Guimarães, Aveiro...
De acordo com os nossos estudos de procura, Braga não oferece dúvida. Neste pacote de financiamento, existirão verbas muito expressivas para a aquisição de autocarros que já não poderão ser a gás. Só vamos financiar autocarros elétricos e a hidrogénio. Também haverá verbas para comprar minibus elétricos para o transporte flexível. Sem criar um custo fixo brutal, temos de encontrar, em conjunto com as comunidades intermunicipais, o modelo para melhorar a oferta de transporte nos territórios de mais baixa densidade.
A cobrança coerciva das multas de transporte não está a ser feita. Como será resolvido este problema?
Há três secretários de Estado, Eduardo Pinheiro, Jorge Delgado e António Mendonça Mendes, à procura de uma solução. É uma perda de receita para as empresas e é uma imoralidade.
A cobrança coerciva pode retornar às empresas?
É uma possibilidade, embora a Autoridade Tributária é quem tem o músculo necessário para convencer as pessoas a pagar as multas.
O apoio à aquisição de veículos elétricos vai aumentar em 2021? E o incentivo ao abate regressará?
Posso dizer que a dimensão dos apoios não será reduzida. A tendência é de apoiar cada vez mais os particulares e menos as empresas, porque as empresas já podem deduzir o IVA da compra dos carros. A haver um incentivo ao abate, terá como pressuposto a aquisição de um veículo elétrico e não de combustão.