A pandemia está a mexer com o sono dos portugueses. As mudanças de rotina, como o confinamento e o teletrabalho, a falta de exposição solar e a ansiedade por "medo de perder o emprego", por "problemas financeiros" ou por "conflitos familiares" comprometem a hora de adormecer.
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As razões são apontadas por Sílvia Correia, pneumologista, especialista em medicina do sono e coordenadora do Laboratório de Sono do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos. No hospital, fazem-se cerca de 1200 consultas do sono por ano. Os principais problemas prendem-se com insónias e apneia do sono.
"A insónia é muito frequente na nossa população e disparou ainda mais com a pandemia. Estamos a dormir pior. Portugal é um dos países que mais medicamentos usa para dormir na Europa", referiu, ao JN, Sílvia Correia, explicando, ainda, que a ausência de horários para deitar e para despertar acabam por contribuir para "uma desregulação do ritmo circadiano".
"No fundo, o nosso organismo tem um relógio interno que nos permite manter acordados durante o dia e sonolentos à noite. Aquilo que mantém esse ritmo circadiano a funcionar bem é a exposição solar. As pessoas em teletrabalho, sem sair de casa, não têm essa exposição solar. Por isso, tem aparecido uma perturbação desse ritmo que se chama o atraso de fase, ou seja, um atraso na libertação da melatonina à noite. As pessoas vão para a cama e têm insónia inicial. Não conseguem adormecer", detalhou a especialista.
Mil estudos em atraso
Dos doentes que passam pelo Laboratório de Sono do Pedro Hispano, a esmagadora maioria (cerca de 90%) é referenciada pelos centros de saúde por apneia do sono. É o caso de Hernâni Andrade. Tem 38 anos e começou a ser seguido no hospital há uma década.
"O meu sono não era tranquilo. Ressonava muito alto e acordava com falta de ar. Durante o dia, também sentia muita sonolência", recordou o vigilante de profissão, a quem foi diagnosticada uma apneia grave.
De acordo com Sílvia Correia, a pandemia teve um impacto negativo nas listas de espera para realizar os estudos do sono aos doentes com apneia. Devido à covid-19, após a realização de um exame, os aparelhos médicos têm de ficar três dias sem ser utilizados.
"O vírus pode ficar ativo até 72 horas nas superfícies e, por isso, os equipamentos do sono ficam em pousio. Temos mais de mil estudos em atraso. Estamos a tentar alugar equipamentos para dar resposta", contou, referindo que, antes da pandemia, eram realizados 55 estudos por semana. Agora, o número caiu para metade.
Profissionais acordam mais vezes de noite
O Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, está a avaliar o impacto das três vagas da pandemia no sono dos seus profissionais de saúde.
Essa avaliação está a ser realizada através de um questionário dirigido a médicos, enfermeiros, técnicos, psicólogos, farmacêuticos, auxiliares de ação médica, nutricionistas e administrativos.
Num universo de cerca de 2900 trabalhadores, 700 já foram inquiridos.
Os resultados preliminares dão conta de perturbações no sono.
Metade dos profissionais de saúde admite ter dificuldades em adormecer e quase 86% assumem acordar, pelo menos, uma vez durante a noite.
Um terço dos profissionais do Pedro Hispano tomou medicação nos últimos dois meses para dormir e cerca de 70% sente sonolência durante o dia. Mais de metade refere, ainda, acordar mais cedo de manhã e sentir tristeza e ansiedade.
"Estes são resultados preliminares. Tivemos uma adesão tão boa que falamos com os hospitais de Gaia, de São João, de Santo António e de Santa Maria [para colaborarem]" nesta avaliação, contou Sílvia Correia, coordenadora do Laboratório de Sono do Hospital Pedro Hispano.