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Direito de trabalhador a recusar despistar coronavírus deve ser posto em confronto com direito geral à saúde. Só o tribunal pode decidir qual prevalece.
Podem os trabalhadores ser obrigados a submeter-se a testes de diagnóstico do coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela pandemia de covid-19, contra a sua vontade? Com ou sem declaração de estado de emergência, ou de calamidade, constitucionalistas ouvidos pelo JN falam em risco de violação do direito à integridade física, mas admitem que a questão é complexa.
Só os tribunais podem decidir, observa Paulo Otero, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. "O empregado tem o direito à integridade física e, por isso, a não ser submetido a testes contra a sua vontade, mas é o tribunal que tem de ponderar os interesses em confronto - de um lado, esse direito da personalidade; do outro o interesse da saúde pública" - e decidir qual deles deve prevalecer.
A recente resolução do Conselho de Ministros (74-A/2021, de 9 de junho) e a atualização da norma da Direção-Geral da Saúde (DGS) de combate à pandemia, prevendo testes de diagnóstico para trabalhadores, utentes e visitantes designadamente de estabelecimentos de saúde e de ensino, de serviços públicos, na agricultura e na construção e nas empresas com mais de 150 trabalhadores, abriu o debate.
Quer no estado de calamidade quer no estado de emergência, Pedro Bacelar de Vasconcelos, da Escola de Direito da Universidade do Minho, crê que "não seja legalmente admissível impor a realização" dos testes. Mas "é possível determinar consequências, como impedir o acesso" ao posto de trabalho, avisa.
"Obedece e protesta"
"O empregador tem o poder de impor o teste - porque a norma da DGS lho dá - e não permitir a entrada ao trabalho se o trabalhador o recusar, marcando-lhe uma falta injustificada e até abrir um processo para despedimento", se o limite de faltas for excedido. O trabalhador pode impugnar judicialmente a diretiva da DGS, ou a decisão da entidade patronal, avança. Mas, como a resposta do tribunal será sempre mais demorada do que o imediatismo do problema, o mais avisado será seguir o velho princípio "primeiro obedece, depois protesta".
Pedro Bacelar de Vasconcelos reconhece a polémica e que se deve procurar "compatibilizar os direitos de uma pessoa com os de todos". De facto, "há um campo vasto de situações e gradações", mas deve-se observar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, que têm de ser respeitados.
Para Paulo Otero, bastaria uma "revisão constitucional cirúrgica, introduzindo no artigo 19.º da Constituição um novo número dizendo algo como "também é permitido o estado de emergência sanitária nos termos da lei"".
Bacelar de Vasconcelos diverge. O direito à integridade física faz parte do "núcleo essencial de direitos" que "não se pode restringir" nem na lei de saúde pública, nem na lei de proteção civil (que prevê o estado de calamidade), nem no estado de emergência.
Representantes
Centrais sindicais querem testagem generalizada
Para o movimento sindical, a questão é pacífica. Os trabalhadores devem ser sujeitos a testagem maciça do SARS-CoV-2, sobretudo nos locais com maior concentração, desde que seja protegida a confidencialidade da informação. A secretária-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN), Isabel Camarinha, não tem qualquer nota de trabalhadores que recusem submeter-se a testes. "O que o movimento sindical tem vindo a defender é a testagem maciça, tal como a vacinação", diz ao JN, reconhecendo a legitimidade da norma do Governo e da DGS, por imperativo de saúde pública. "É fundamental fazer testes", corrobora a secretária-executiva e responsável pela área da higiene, saúde e segurança no trabalho da União Geral de Trabalhadores (UTG), Vanda Cruz, defendendo que o universo de empresas abrangidas deveria ser superior. Só uma minoria emprega mais de 150 trabalhadores e as maiores possuem uma "organização mais robusta", nota.
Dados de 2019 fornecidos ao JN pelo Instituto Nacional de Estatística apontam apenas 2062 empresas e que mais de 1,3 milhões de unidades ocupam menos do que essa força.
