Centro de rastreio do Porto abriu serviço de profilaxia pré-exposição ao vírus da sida. Medida resulta de protocolos com o Santo António e o S. João e permite acompanhamento em ambiente informal.
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Ali não há preconceitos. Há, isso sim, equipas multidisciplinares que atendem os utentes em perfeito anonimato e num ambiente informal, longe da confusão dos hospitais. E não é para menos, pois em causa está aquilo que para muitos ainda é um estigma: VIH, ou seja, vírus da imunodeficiência humana. No centro comunitário de rastreio da Associação Abraço, no Porto, qualquer pessoa pode pedir uma consulta para avaliar o risco de exposição e fazer tratamento preventivo.
Os objetivos são claros: prevenir a infeção por VIH tomando um medicamento, mas também detetar novos infetados e, nesse caso, encaminhá-los para tratamento especializado. Em suma, contribuir para a diminuição dos casos de sida, doença estudada há décadas mas ainda sem cura.
Depois de estabelecer acordos com o Centro Hospitalar Universitário do Porto (Santo António) e o Centro Hospitalar Universitário de S. João, a Abraço abriu as consultas de profilaxia pré-exposição em finais de 2021. No centro comunitário de rastreio, na Rua da Torrinha, atende uma média de 60 pessoas e, até ao final deste ano, prevê chegar às 200.
Serviço descentralizado
Duas centenas é o que permite a capacidade instalada, mas "provavelmente a procura será maior", como refere ao JN Pedro Morais, psicólogo e coordenador dos centros comunitários de rastreio da Abraço. A associação conta com a colaboração de médicos do Santo António e do S. João (neste caso, também um enfermeiro), pois esta consulta é uma valência descentralizada do serviço já existente nesses hospitais.
Segundo aquele responsável, a maior parte dos utentes é composta por homens que têm relações sexuais com homens e, sobretudo, "pessoas que não usam sempre preservativo" e que acreditam ser elegíveis para o tratamento. Tratamento que, sublinhe-se, é exclusivo para pessoas não infetadas.
Além de tomar um antirretroviral, o utente continua a ter consultas e a fazer análises com regularidade. Inclusivamente, a outras infeções sexualmente transmissíveis, que, desta forma, podem também ser detetadas e tratadas de forma precoce.
Maior desafio
Pedro Morais acrescenta que o maior desafio "é chegar às pessoas que têm pouco ou nenhum contacto" com os serviços de saúde, às menos informadas e às que consomem substâncias. Josefina Mendez, médica infecciologista no Santo António e supervisora do centro comunitário de rastreios da Abraço no Porto, refere que o ambiente hospitalar "não é tão acolhedor" e, por outro lado, "os jovens não estão familiarizados com os hospitais", porque, à partida, são pessoas saudáveis. Por isso, entende que o centro é o local "mais adequado" para atender estes utentes. "É trazer a medicina e a prevenção para junto das pessoas", conclui.
O JN entrevistou utentes que começaram as consultas há pouco tempo. "O objetivo não é deixar de usar o preservativo, mas olhar para a minha atividade sexual de forma realista e pensar que há ocasiões em que possa não usar", contou Paulo, de 23 anos. Bissexual, não se considera pessoa de risco, mas pensou que "não faria mal estar mais protegido".
Pedro tem 28 anos e é casado. "Eu e o meu companheiro temos uma relação aberta", começa por dizer. Depois de ter passado por uma situação que o deixou desconfortável, resolveu ir à consulta e agora, apesar de usar preservativos em relações fora do casamento, sente-se mais seguro. "E as outras pessoas também se sentem mais seguras", remata.
A saber
Importância
Uma pessoa infetada com VIH pode passar quatro ou cinco anos sem ter sintomas. E, sem querer, estará esse tempo todo a transmitir o vírus a outras pessoas. A profilaxia recomendada nas consultas de pré-exposição pode prevenir novas infeções em cerca de 90% dos casos. O tratamento é também importante porque 90% dos utentes que o seguem alcançam a desejada carga vírica indetetável. Logo, deixam de transmitir.
Usar preservativo
Os profissionais envolvidos neste programa do centro de rastreio da Abraço aconselham todos os utentes a usar preservativo. Embora o antirretroviral seja bastante eficaz em relação ao VIH, não evita outras infeções sexualmente transmissíveis.
Duas formas
A toma do medicamento antirretroviral pode ser regular, de 24 em 24 horas, ou esporádica (mas neste caso, só para homens).