Apesar da criação de uma “via verde” para os imigrantes, especialistas alertam para a necessidade de reforçar resposta aos pedidos.
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A "via verde" para trabalhadores imigrantes é vista com grande expectativa pelas confederações empresariais que acreditam acelerar as contratações de meses para semanas, numa altura em que a falta de mão de obra se agrava. Mas há quem alerte que a medida tem de se fazer acompanhar de um reforço de meios da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), não esquecendo que milhares de imigrantes continuam com as vidas em “suspenso” após o fim das manifestações de interesse.
O novo "Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada" será assinado na terça-feira, e entrará logo em vigor, pelo que “sairá da gaveta” ainda antes da saída do Governo em gestão.
Ana Vieira, secretária-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), destaca que, atualmente, os prazos estabelecidos na legislação são raramente cumpridos, o que dificulta uma resposta rápida às necessidades de contratação das empresas. “O protocolo, no fundo, vai utilizar as relações entre as confederações ou as instituições e as entidades públicas envolvidas, de maneira a ser mais fácil resolver os problemas”, explica. Para a responsável, uma das grandes vantagens é a possibilidade de “apresentar estes pedidos [de contratação] em grupo”, quando, atualmente, “as empresas têm de tratar dos processos individualmente”. “Esperamos que se traduza em menos tempo e menos burocracia”, acrescenta.
Quanto aos requisitos que as empresas têm de se comprometer a cumprir, Ana Vieira explica que no setor já há empresas que asseguram condições de habitação e formação para os trabalhadores imigrantes, pelo que não vê grandes dificuldades acrescidas. No entanto, alerta para a sobrecarga das entidades públicas que estarão envolvidas na emissão dos vistos. “À medida que aumenta a pressão, possivelmente vão-se manter dificuldades, mas é algo que a experiência também ditá-lo-á, e se é preciso melhorar no curso do protocolo”.
Cristina Morais corrobora a morosidade dos vistos, que demoram “quatro a cinco meses a ser emitidos”. “Acredito que seja difícil que possam ser os 20 dias como previsto no protocolo, mas a nossa a expectativa é que o prazo se situe entre 30 a 40 dias, o que já seria bastante positivo para o setor agrícola", aponta a representante da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), lembrando a necessidade de mão de obra devido à sazonalidade das colheitas.
Para Cristina Morais, a principal mudança reside na simplificação dos procedimentos administrativos, já que as entidades empregadoras passarão a preencher uma declaração de compromisso de como cumprem com as obrigações legais. “O Estado justificava a demora com a verificação das entidades empregadoras. Que no caso do setor agrícola, por exemplo, são obrigadas a disponibilizar habitação porque estamos a falar de zonas rurais. Portanto, agora o Estado confia nas confederações patronais para atestar a idoneidade das empresas. Do ponto de vista da CAP, implica mostrar que é uma entidade registada e a certidão na Segurança Social e nas Finanças. Teremos que avaliar bem quem são essas entidades", ressalvou.
Atualmente, o setor agrícola emprega cerca de 60 mil trabalhadores, dos quais 30 mil são estrangeiros, "maioritariamente de países terceiros", explica. Segundo um levantamento realizado pela CAP em novembro, serão necessários cerca de 5 mil trabalhadores adicionais ao longo de 2025. Algumas empresas iniciaram os processos ainda antes da implementação da “via verde”, antecipando-se às necessidades sazonais.
Crescer implica imigrantes
“Em princípio, este mecanismo será interessante no sentido em que os estudos têm mostrado que o crescimento económico é influenciado pela imigração. Ou seja, mais crescimento económico implica mais imigrantes. E em países envelhecidos como Portugal, isso é fundamental”, sublinha Nuno Torres. O responsável do Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas (G3E2P), da Faculdade de Economia do Porto, realça que contratação de mais trabalhadores estrangeiros torna-se ainda mais urgente numa altura em que se aproxima o prazo de execução, até meio de 2026.
Os cálculos já são conhecidos: “Temos de crescer na casa dos 3% ao ano para atingir a metade dos países mais ricos na União Europeia até 2033. Para isso, precisávamos de, anualmente, 138 mil imigrantes. É um número muito maior do que em média nas primeiras duas décadas do milénio, que rondava os 40 mil”, explica o economista.
O economista acredita que o protocolo terá impactos “na formalização da economia e no combate à imigração clandestina”. “Um dos problemas é a questão da informalidade. Por isso é que se tentou acabar com a manifestação de interesse, porque não dava grande controlo. Este mecanismo está implementado, gera formalização e, portanto, é uma forma também de combater as redes clandestinas de imigração e combater a economia paralela”. Mas alerta para a sobrecarga na AIMA. “Neste momento, está em processo de regularização um volume muito elevado de imigrantes. Eventualmente, é preciso saber se a AIMA vai priorizar ou não estes processos”, sublinha.
Além disso, aponta para a necessidade de garantir que não existam desigualdades entre trabalhadores imigrantes e nacionais, sobretudo no que toca ao acesso à habitação. “Tem de haver condições equivalentes para todos os trabalhadores. É positivo haver habitação, agora tem que existir um pacote integrado de soluções para a habitação”, acrescenta.
Timóteo Macedo também receia dificuldades acrescidas na AIMA. Além dos processos pendentes de regularização, a falta de resposta aos pedidos para reagrupamento familiar é apenas um exemplo de uma estrutura que continua a falhar. “Andamos aqui aos solavancos. Ora abrem agendamentos, ora fecham. E não sabemos muitas vezes se foi geral ou se fecharam só para alguns”, denuncia o presidente da Associação Solidariedade Imigrante (SOLIM).
De momento, uma agência que funciona “com estruturas de missão, com falta de meios e trabalhadores precários, não é eficiente”, critica. “A melhor resposta era olharem para dentro e contratar diretamente pessoas, dar-lhes formação, garantir que têm plenos direitos num trabalho digno. Ganham os imigrantes, ganha a estrutura e ganhamos todos”, defende. E ilustra: à associação, que trabalha de forma voluntária, tem chegado cada vez mais pedidos de ajuda. Tem atendimento, em média, 80 imigrantes por dia que “não têm vistos de contrato de trabalho e vêm à procura”.
Teme que esteja a ser levada a cabo uma política de imigração “seletiva e discriminatória”. “[A “via-verde”] é uma medida que não faz parte de uma política de integração decente, mas, sim, de assimilação e de subjugação de uma cultura dominante. Isso não faz sentido”, afirma.